A um conhecido meu morreu a avó. Nada de anormal, particularmente para quem ainda tem avós.
Acontece que ele, que trabalha, como bom neto, foi ao funeral; ou seja, tem que justificar a falta ao patrão.
Ele justificou dizendo precisamente que a sua avó tinha morrido. Para aceitar a falta como justificada, o patrão pediu uma declaração da funerária.
Aqui é que eu começo a estranhar...
A funerária atesta o quê? Que o rapaz foi ao funeral? Que a avó morreu? Que ela, a funerária, fez o funeral?
Eu não sou desta área mas também trabalho e conheço a lei das faltas; tenho a certeza que ela não fala em funerais mas só em mortes. O parente morre e, automaticamente, temos uma licença de x dias; não interessa se vou ou não vou ao funeral. Mas já interessa que o morto seja um dos parentes indicados na lei (ou pelo meu lado ou pelo da minha mulher); ora, a morte das pessoas é atestada pela certidão de óbito.
Não faço ideia do valor que pode ter a declaração (e qual o seu conteúdo) da funerária mas será que ela substitui a certidão de óbito?
Isto não interessa nada porque o que realmente interessa é um papel. O papel é a prova do facto que se clama mesmo que esse papel não tenha valor nenhum.
Ora, como é muito mais barato o papel da funerária (que, afinal, também faz o funeral) do que o custo da certidões de nascimento e óbito, e se calhar de casamento, para estabelecer que o morto é realmente o parente do trabalhador que faltou, é natural que as funerárias desempenhem hoje mais um serviço público: o de passar o papel que a velha morreu.
Ou seja, a palavra do trabalhador não vale nada; precisa de um papel. Mas isto não interessa nada.
O fundamental mesmo, claro, é que haja qualquer papel!
13 fevereiro, 2008
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3 comentários:
É assim no país dos "papeles".
- Concordo.
- Com quê?
- Com o papel.
- Mas que papel?
- O papel.
- Mas qual papel?
- O papel.
- Mas pode ser o ...?
- O papel.
- Ah, o papel do...?
- Sim, o papel.
- Mas que papel?
- O papel.
- Pois, mas qual papel?
- O papel.
- Mas pode ser o ...?
- Sim, sim, o papel.
- Ah, o papel.
- Sim, o papel.
- Mas que papel?
- O papel...
...
Não resisti ao plágio. Mas o «papel» exigia-o. Qual papel?
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