Ó incompetência! Nunca os meus sonhos sabem engendrar a apetecida fera. Aparece o tigre, isso sim, mas dissecado ou débil, ou com impuras variações de forma, ou de tamanho inadmissível, ou muito fugaz, ou parecido com um cão ou um pássaro.»
«O OUTRO TIGRE
And the craft that createth a semblance
Morris: Sigurd The Volsung (1876)
Penso num tigre. A penumbra exalta
E parece afastar as prateleiras;
Mares e os desertos do planeta;
Desta casa de um remoto porto
Da América do Sul, te sigo e sonho,
Ó tigre que és das margens do Ganges.
Escorre a tarde da minha alma e penso
Que o tigre vocativo do meu verso
É um tigre de símbolos e sombras,
Uma série de tropos literários
E de memórias da enciclopédia
E não o tigre fatal, a aziaga jóia
Que, sob o Sol ou a diversa Lua,
Vai cumprindo em Sumatra ou em Bengala
Sua rotina de amor, de ócio e de morte.
Ao tigre dos símbolos eu opus
O verdadeiro, o de cálido sangue,
O que dizima a tribo dos búfalos
E hoje, 3 de Agosto de 59,
Alarga na planície pausada
Sombra, mas já o facto de o nomear
E de conjecturar sua circunstância
Fá-lo ficção da arte e não criatura
Vivente das que andam pela terra.
Terceiro tigre buscaremos. Este
Será como os outros uma forma
Do meu sonho, um sistema de palavras
Humanas e não o tigre vertebrado
Que mais além das mitologias
Pisa a terra. Bem o sei, mas algo
Me impõe esta aventura indefinida
Insensata e antiga e persevero
Em buscar pelo tempo desta tarde
O outro tigre, o que não está no verso.»
O Fazedor, 1960
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