Cícero, denunciando Catilina no Senado

Cícero, denunciando Catilina no Senado

03 maio, 2007

O Método Socrático

Sócrates não é socrático. Perverteu a dialéctica grega. Revoltou-se contra a sua nobre cultura. Pontapeou Aristóteles e Platão nos genitais, tratou de exilar Protágoras para o rendimento mínimo, e fechou o ginásio. Uma análise estatística dos seus inimitáveis actos discursivos revela uma verdade inquestionável. Não se trata de uma mera repetição de “conteúdos”, de propósitos que são, mui naturalmente, apresentados de formas diferentes. Não, nada disso! Trata-se de uma repetição de modos discursivos (regras, gestos, automatismos), um sacrilégio intolerável para os seus companheiros da polis que sempre valorizaram o percurso sinuoso da reflexão abstracta e a ponderação cuidada de argumentos distintos. O homem escolheu a via da repetição sintética: mensagem e “veículo” da mensagem… são a mesma coisa. Para alguns “especialistas”, este deve ser o principal propósito de qualquer estratégia política consistente: O que se ouve deve coincidir exactamente com o que se vê. O problema está no “exactamente”. Exactidão científica ao serviço da perversão da autenticidade.

Apercebi-me disto quando a questão da “confiança no país” foi proclamada como um desígnio essencial do executivo. Foi triste. Não por ser uma manobra de marketing político (não sejamos ingénuos) mas por não poder ser uma política do governo. Pensar que a resolução dos problemas deste país pode, e deve, começar com uma sessão de psicoterapia…é obra!

O politicamente correcto emergente, ou vigente, também compartilha desta lógica: se alterarmos a linguagem transformaremos a realidade. Se a crença na engenharia linguística for eficaz, a engenharia física, a dos comportamentos, vem logo a seguir. Este sincronismo dá-me cabo dos nervos.

9 comentários:

Anónimo disse...

Bravo.

Anónimo disse...

Caro Anónimo,

"Your leisure is my pleasure..."

cumprimentos

Anónimo disse...

Que Sócrates não é socrático, lá isso não é, (apesar de também não morrer de amores pelo homónimo filósofo). Pena foi na sua última grande entrevista na rtp, os jornalistas não saberem usar o verdadeiro método socrático e espreme-lo numa dialéctica bem esgalhada, em vez de quase lhe pedirem desculpa por terem de lhe fazer algumas perguntas incómodas. Sim, pois quem proclama o rigor aos quatro ventos, a questão da sua licenciatura não é tão trivial nem nenhuma conspiração política, como o quer fazer entender o Sócrates não socrático. Queria ver onde iria ele conciliar “mensagem e “veículo” da mensagem”. Imagino a Judite de Sousa começar a entrevista a dizer “ora, vamos lá começar por definir o que o Sr. primeiro-ministro entende por rigor”.

Um abraço

Anónimo disse...

"e espreme-lo numa dialéctica bem esgalhada..."

lol


De facto não se tratou de uma entrevista mas de uma apresentação, ou melhor, de uma representação. Os jornalistas "abdicaram" do método dialéctico. Foi uma vergonha.

Abraço,

Anónimo disse...

E essa vergonha é, por outra banda, um sintoma - da podridão da televisão pública - e um mote para uma pergunta - sobre a necessidade de um organismo daquele ser sustentado pelos impostos de todos nós.

Anónimo disse...

Caro Tortor (a nossa primeira divergencia, caso para celebrar!)

O que se segue não decorre lógicamente do teu comentário porque não afirmas que a podridão resulta do "publico." Seja como for: Não sei, sinceramente, se é a natureza pública do dito organismo que é responsável pela deplorável qualidade do mesmo. A BBC é pública e a sua qualidade não é posta em causa. Nos EUA, a PBS (public broadcasting system) é pública-privada (contribuições da sociedade civil, não pertence a qualquer conglomerado à lá Rupert Murdoch) e é, de longe, a melhor fonte de informações nos EUA. A meu ver, o problema é outro: Tem que ver, simplesmente, com o profissionalismo dos senhores-as da rtp e com a criação de um organismo independente credivel (com poucas pessoas idoneas, nada de muitos dramas burocráticos) de "acompanhamento."

Abraço,

Anónimo disse...

NA GB, por exemplo, onde a profissão de jornalista é valorizada ( a qualidade dos seus jornalistas é inquestionável) quase que é mais dificil entrar para o "curso" de jornalismo do que entrar para o curso de medicina. Ou seja, deve-se aplicar categoricamente e rigorosamente (implacavelmente!) o principio do mérito (muito antes de ser um jornalista praticante)..e puxar muito, muito mesmo, pelas meninas e pelos meninos que vão participar nos jogos de verdade públicos.

abraço

Anónimo disse...

É bem verdade o que dizes, caro vita activa. Mas também é certo que a BBC, como sabes, já teve melhores dias e não foi há muito que se lhe farejou alguma tentação para se agachar ao poder. De qualquer modo, as comparações valem o que valem, sobretudo se compararmos democracias maduras e vigorosas, como as de matriz anglo-saxónica, com esta coisa que entre nós convencionamos chamar democracia.

Anónimo disse...

Caro Tortor

A BBC tentou defender-se das "intrusões" do poder governamental. Apresentou sempre os dois lados da questão e divulgou a noticia que o povo Britânico era maioritariamente contra uma certa decisão. Uma constatação evidente. Blair, movido mais pela sua devoção civilizacional do que o seu bom senso (?), cometeu o maior erro da história diplomática Britânica. Um erro com repercussões imprevisiveis e trágicas. Na BBC o que interessa é a BBC e o seu trabaho. É uma instituição com um esprit de corps notável. O poder não lhes interessa muito, apesar das tentações obvias. Quanto às comparações...sim, é verdade, concordo contigo...mas por vezes podemos comparar as coisas e encontrar semelhanças eh eh ehe e he h h

Mas é uma pena que não exista um partido Liberal-Democrata em Portugal!! :)