«”Mais de um terço dos soldados norte-americanos no Iraque inquiridos pelo Exército acreditam que a tortura deve ser permitida se ajudar a reunir informações importantes sobre insurrectos. Quatro em dez aprovam abusos ilegais se estes salvarem a vida de um companheiro. Estes são alguns dos dados de um inquérito realizado pelo Pentágono a 1767 militares – as entrevistas realizaram-se no Iraque, no Outono do ano passado.” (Público) São estes os soldados que lutam pelos valores ocidentais.»
Devo dizer, antes de mais, que sou daqueles que subscrevo as palavras do autor castelhano (Tomás y Valiente) de uma obra clássica sobre a tortura, em termos de considerar que se há algum direito fundamental absoluto é o direito a não ser torturado. «Nunca. Nadie. Sin excepciones casuísticas ni limites difusos: “en nigún caso”». Da perspectiva dos limites da intervenção do Estado na esfera do cidadão, é assim que as coisas devem ser vistas e ponto final. A redefinição do conceito de tortura subterraneamente ensaiada pelo Departamento de Justiça dos E.U.A. nos famigerados Memorandos Sobre a Tortura (2002-2004) e doutrinariamente patrocinada por alguns (John Yoo) e apoiada por outros (Alan Dershowitz), de forma a cobrir com um manto legitimador infames actos de tortura perpetrados no Iraque, fugindo, inclusivamente, às obrigações emergentes de convenções internacionais de que os E. U. A. são parte, é, assim, dizia, de censurar sem hesitações e de repudiar sem tergiversações. Exemplo destas, é o dado na obra de Dershowitz, Why Terrorism Works: Understanding the Threat, Responding to the Challenge (2002), onde aquele autor candidamente propôs que nos “casos extremos” um juiz pudesse emitir “mandados de tortura” (curiosamente, uma solução inglesa vigente na centúria de 1540 a 1640).
Mas o que já é sinal patognomónico de uma pavloviana atitude anti-americana (= politicamente correcta), é o modo pronto e categórico, moderno e desempoeirado, como se pretende extrair dos resultados de um estudo da natureza do acima aludido um juízo geral sobre os combatentes americanos no Iraque, sobre o exército norte-americano e, porque não dizê-lo, sobre os americanos em geral (porque é este o tom, porque é este o inequívoco objectivo). Como se em cada um germinasse um torquemadazito, como se quando em cada qual não fosse de presumir um Diogo de Deza em essência, ao menos o fosse em potência. Sim, porque de acordo com o citado bloguista, não é de pressupor em cada marine um soldado endurecido pelo treino, embrutecido pelo combate e solidário por condição e circunstância. Não, muito pelo contrário! Deveria antes presumir-se que em cada soldado norte-americano em guerra palpita, lateja, pronto a revelar-se, um ilustrado Voltaire, um iluminado Thomasius ou mesmo um resplandecente Marquês de Beccaria! Porque eram assim os soldados da U.R.S.S., como são ainda os da Coreia do Norte ou de Cuba (coisa que só se pode intuir, umas vez que tirá-la a limpo implicaria que os respectivos Ministérios da Defesa elaborassem um estudo como o citado…). E os americanos, dados a manias de democracia, deviam sê-lo ainda mais.
Ou seja, não sei o que mais me irrita: se a acefalia do argumento, se a indecência da intenção.
Mas o que já é sinal patognomónico de uma pavloviana atitude anti-americana (= politicamente correcta), é o modo pronto e categórico, moderno e desempoeirado, como se pretende extrair dos resultados de um estudo da natureza do acima aludido um juízo geral sobre os combatentes americanos no Iraque, sobre o exército norte-americano e, porque não dizê-lo, sobre os americanos em geral (porque é este o tom, porque é este o inequívoco objectivo). Como se em cada um germinasse um torquemadazito, como se quando em cada qual não fosse de presumir um Diogo de Deza em essência, ao menos o fosse em potência. Sim, porque de acordo com o citado bloguista, não é de pressupor em cada marine um soldado endurecido pelo treino, embrutecido pelo combate e solidário por condição e circunstância. Não, muito pelo contrário! Deveria antes presumir-se que em cada soldado norte-americano em guerra palpita, lateja, pronto a revelar-se, um ilustrado Voltaire, um iluminado Thomasius ou mesmo um resplandecente Marquês de Beccaria! Porque eram assim os soldados da U.R.S.S., como são ainda os da Coreia do Norte ou de Cuba (coisa que só se pode intuir, umas vez que tirá-la a limpo implicaria que os respectivos Ministérios da Defesa elaborassem um estudo como o citado…). E os americanos, dados a manias de democracia, deviam sê-lo ainda mais.
Ou seja, não sei o que mais me irrita: se a acefalia do argumento, se a indecência da intenção.
5 comentários:
Este texto é um oásis de bom senso. Equilíbrio analítico no seu melhor.
ps: segundo alguns estudos mencionados por peritos na matéria em entrevistas à CNN e BBC as informações obtidas através da tortura não são viáveis. Não sei se isto é verdade mas parece-me, prima facie, verosímil.
Caro VA, é verdade o que dizes. E talvez não fosse preciso lançar mão dos ditos estudos. Quando a tortura judicial foi abolida na Europa continental, no séc. XVIII (em Portugal, por alvará de 1790, que a julgou "em desuso")já muitos que a combatiam alinhavam, de entre outros argumentos, que não era fiável. Aliás, VA, não é certo que a tortura (a judicial, bem visto) tivesse sido abolida por força do movimento iluminista e da pena dos seus ilustrados chefes de fila. Autores há, e dos bons (como jhon Langbein, uma dos mais proeminentes historiadores do direito vivos) que avançam argumentos talvez menos prosaicos mas mais convincentes.
Subscrevo tudo. o que é patognomónico? Schrumpfs com bico de pato?
S.
Patognomónico? É mais ou menos isso: indicativo, sintomático, ou mesmo típico de determinada patologia.
O camarada Tortor anda de vento em popa! Nada menos que brilhante, este texto.
Infelizmente o inquieto opinante que se lastima de serem aqueles "os soldados que defendem os valores ocidentais" não será concerteza ignorante de que estudos dessa ordem há os mais variados, e não só relativamente à tropa, havendo inclusive testes com estudantes universitários que revelam o potencial de uma fracção significativa das pessoas para, em situação de autoridade ou poder, tiranizarem o próximo. Até já se fez pelo menos um filme (série C...) que populariza esse dado da experiência comum que a ciência tem confirmado.
É, pois, um dado da vida, o qual de resto gerou, há já muito tempo, uma corrente filosófica.
O opinante, dizia, não o ignora decerto. Mas, como de costume, dá-lhe jeito, no âmbito da sua medíocre agendazita da ideologia (teologia) marxisto-anti-americana, extrair das meninges mais uma torpeza, daquelas que os politicamente correctos do esquerdalho bem pensante têm sempre no baú das infâmias sortidas - e nunca lhes falta a mole de descerebrados e débeis chapados que engole essas patranhas como verdades reveladas.
Há poucos dias ouvi uns inteligentes da esquerda, preocupadíssimos com o imperialismo americano e as alterações climáticas, a argumentarem que era um acto de justiça divina a destruição de uma cidadezinha americana por um tornado. Segundo eles, e por miúdos, a culpa era do Bush, por não fazer a América subscrever o Protocolo de Quioto.
Esta gente não vale o ar que respira.
Kzar
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