Cícero, denunciando Catilina no Senado

Cícero, denunciando Catilina no Senado

30 abril, 2007

Trutas!

O dia 1 de Maio é um dia glorioso. Não, não quero saber das comunices e do trabalho para coisa nenhuma. O que se passa é que abre a época da pesca à truta na Ilha de S. Miguel. Não aguento de ansiedade e vou fazendo a contagem decrescente em horas, minutos e segundos. Levantar de madrugada (04.00 h); passar água pelos olhos; agarrar na tralha, deixada à porta de véspera; largar para o ponto de encontro e mandar umas bocas com o resto da seita; café na bomba de gasolina, ou coisa assim; parar o carro no mirante e descer prá lagoa; nascer do dia e começam os lançamentos; 9 horas e garrafita de vinho, queijos e cenas dessas; mais lançamentos e mais trutas até coisa das 11 horas.
Tou lá caído, como sempre, mesmo que dentro de pouco tempo não haja trutas. Com efeito, tanta alegria é ensombrada pelo facto de a horda de incompetentes que vai (des)governando a Região ainda não ter tido a paciência de resolver um pequeno problema de águas que está a prejudicar gravemente os viveiros das furnas e a pôr em risco o repovoamento. Somos assim. Temos o paraíso (e uma fonte de rendimentos potencialmente gigantesca) à mão, e damos-lhe com o pé. Malditos políticos. Mas amanhã não me lembro de nada disso - algumas trutinhas hão-de picar nas amostras deste amigo e pode ser que "O" tal bicho venha desta vez.

Como disse?


Certos meninos não aprendem. O Sr. Alberto João Jardim é um socialista - bom, um social democrata, que é tudo uvas do mesmo cesto. Politicamente, não gosto de anti liberais desses. Porém, e há que reconhecê-lo, um enorme mérito do Sr. Alberto João é o de ter até hoje conseguido que na Madeira não se instale a ditadura da suposta superioridade moral da esquerda. Esta rosna, atirando a espaços pérolas como a do "défice democrático" e mais recentemente a da "claustrofobia da democracia", tirada do caco pelo impagável Ingenheiro Pinto de Sousa - mentor dessa pilantrice da roubalheira orçamental.
Ora, em relação a esse Senhor, que há trinta anos detém e exerce o poder por força dos VOTOS (não, não é de metralhadora em punho, aliás coisa que a esquerda só acha gira quando se trata de criminosos barbudos da América do Sul), do que se lembra o menino Manuel Monteiro? De lhe chamar "herdeiro de Estaline", ou coisa parecida...
Ele que vá dar banho a algum criador de touros do Ribatejo, beijinhos na boca a qualquer plantador de vinha da Beira ou, melhor ainda, aparar a relva de algum proprietário de palacete de Ponte de Lima. As direitas não são todas as mesmas, e esta é mesmo muito má.

27 abril, 2007

Protocolos

O bobo da corte,
por Velasquez

Aqui muito à puridade, que este blogue está fraco de leitores, declaro que também estou indignado com o protocolo de Estado (ver aqui) (e aqui). Protocolo que se preze reserva lugar adequado ao truão - sim, ao popular bobo da corte, essa medieva instituição que por largos séculos nunca faltou em palácio real que se respeitasse e que, com aggiornamentos de maior ou menor vulto, subsiste até aos nossos dias. Não há bicho careta governamental que não disponha do seu, em regra deambulando pelos antros de má nota que em Portugal se chamam eufemisticamente "redacções" e sempre pronto a ser atiçado contra quem não caia nas graças dos amos ou meramente lhes fira a majestática sensibilidade. O Sr. Dr. Prof. Engenheiro, nosso primeiro, por exemplo, entre os muitos que sempre servem tais Senhores, dispõe de dois exemplares de primeiríssima água: a sr.ª f., cujo desvelo pelo líder tem paralelo apenas no ódio vesgo às maiúsculas (que mal lhe terão feito, os pobre seres?) e pontifica no inenarrável dênê, sem glória, fácil ou difícil, e o Sr. Miguel, num pasquim blogosferático que responde por "câmara corporativa".
Já os vejo, a esses psilitras da socrática falange, nas cerimónias e banquetes do Estado, em lugar que lhes compita, rentes aos tapetes, roendo alguma sobra dos pitéus destinados aos oficiantes e convivas, nos intervalos de lançarem as suas chufas aos adversários do chefe, neste causando potentíssimas risadas. Os muitos áulicos e sicofantas do Poder, porém, sombrios, vêm-lhes com melífluas artes de cortesão furtando os merecidos e devidos lugares; é só Senhoras de..., e etc. Quanto a mim, que não almejo honras de Estado e só tenho esta verdade seca e breve que me Nosso Senhor deu, protesto - com veemência! Lugares para f. e Miguel, rapidamente e em força!

Apreensões...


Em alguns países do terceiro mundo, especialmente sul-americanos, é frequente que a polícia exiba nas televisões o produto das apreensões que faz na luta contra o crime - não raro, exibem-se também os meliantes, pelo menos uma vez sucedendo-me ver na TV Globo um soldado da PM do Rio a segurar a cara de um favelado acabadinho de deter e recalcitrante em deixar-se filmar para o close-up que excitaria as massas no noticiário da janta.

Uma outra cadeia télévisiva, julgo que a Record, foi ao ponto de exibir um programa regular em que os jornalistas seguem ao vivo e difundem em directo as peripécias das acções policiais, seguindo os agentes, de câmara em riste, durante perseguições ou buscas domiciliárias que se assemelham aos tumultos das hordas futebolísticas.

Os agentes rebentam a porta, entram na barraca, pistolas em punho e caçadeiras aperreadas, e atrás deles, talvez também munidos de mandado judicial, entram pressurosos e agitados o cameraman e o apresentadeiro. Este último vocifera, em cadência frenética, pérolas como "filma esse aí", "olha lá, os bandido 'tão reagindo aos policiais" ou "parece que ali tem droga, foca logo". No fim fazem um panorama geral da tralha apreendida, da bandidagem engavetada e das crianças e das mulheres em gritas e choros, declinam uns comentários moralistas e bem intencionados, congratulam-se com a eficácia do combate ao crime e pisgam-se da favela.

Não sei se esse programa ainda corre e não é que menospreze os problemas da criminalidade nesses países, mas tudo aquilo me parece excessivo e a exibição télévisiva é nada menos que repugnante.

Portugal, à sua maneira de quase sempre, pequenina, não foge a esse tipo de comportamento policial e mediático. Para além do vetusto costume de chegar à porta dos tribunais um conveniente pedaço antes da PJ e dos detidos, já começa a ser habitual que a imprensa (as TVs sobretudo) compareça nas buscas por atacado feitas em certos bairros (quem a avisará?), e vem de há muito sendo também prática da PJ (e doutras polícias) convocar os paparazzi da coisa criminal para filmar, em jeito de troféu, o dinheiro, a droga, os automóveis, as armas, as balanças, os fios de ouro e tudo o mais.

Lamento esses factos e estranho que não haja quem ponha cobro à prática deles, mas não muito, porque me vou já conformando com a quotidiana fatalidade de constatar que a PJ labora em auto-gestão. Em roda livre, por assim dizer, com os seus responsáveis sempre prontos (nos intervalos de se carpirem da incontornável "falta de meios"), a lançarem sobre os eventuais críticos o peso da evidente pureza dos seus objectivos, quando não o labéu de estarem porventura "feitos" com os criminosos, ou serem pelo menos "aliados objectivos" deles e um írrito obstáculo à eficiência do santo "combate" ao crime.

Os políticos invertebrados deste lupanar que temos por república tremem, gelatinosos, com a possibilidade de as massas, instigadas pela angélica PJ e mais os trompeteiros da imprensa, cogitarem haver neles alguma lassidão para com os maus. Vaí daí, a retórica dos direitos liberdades e garantias torna-se-lhes nisso mesmo: retórica, coisa própria de debates parlamentares e/ou proclamações legislativas mais ou menos vácuas, mas entorpecente quando se trata da concreta repressão da matula dos bairros periféricos e/ou "degradados", negros, ciganos ou qualquer cambada de baixa extracção em geral, congenitamente inclinada, como se sabe, às maiores torpezas e aos crimes mais vis. Quando muito, abandonam aquele etéreo plano da retórica se o objecto das ditas práticas policiais (ou, desgraçadamente, judiciárias) calha ser membro da seita. Nesse caso, sempre gelatinosos, tremem igualmente, mas de indignação, e são tomados por fervores correctivos dos desmandos da justiça, assim tomada em geral e abstracto. Pode lá ser, aplicarem-se ao Sr. deputado, autarca, gestor público, director-geral, whatever, esses entorses ao regime de escutas (por exemplo) que têm dado tão bons resultados relativamente aos zézés ciganos que a Pátria generosamente alberga?!

No que respeita a diferenciações, o problema não acaba aqui. Há alguns dias, a PJ logrou localizar um grupo de perigosos agentes da sedição nazi-fassista (para usar a retórica do regime) que traz o país em evidente perigo e contínuo sobressalto. Não duvido da genética estupidez desses satanistas adoradores do Adolfo, com suas cabeças rapadas por fora e por dentro; nem sequer duvido da indiciação de serem agentes do crime de "discriminação racial ou religiosa", cautamente previsto no art. 240.º do Código Penal (e susceptível dos maiores abusos se não for devidamente interpretado). Estou certo de que pelo menos os ditos indivíduos terão sido autores de crimes de detenção de armas ilegais (a fazer fé na exibição televisiva de troféus providenciada pela PJ, comme d'habitude).

Não tenho é ideia alguma sobre a razão de ter sido igualmente apreendido (e também exibido) um perigosíssimo exemplar de um livro da autoria do Sr. Eric Blair, escrito sob o pseudónimo George Orwell e intitulado "O Triunfo dos Porcos" ("Animal Farm", num raro exemplo de tradução consagrada mais expressiva do que o original). Talvez essa fábula sobre a infâmia totalitária de um regime comunista seja, no esclarecido entender dos preclaros Srs. inspectores, sinal patognomónico do irredutível fassismo dos arguidos. Na sua cova, o pobre Sr. Blair dará por esta hora urros de raiva contorcida, de permeio com íntima satisfação pelo acerto da sua previsão, esboçada em um outro livro, que intitulou "1984".
Pergunto: os Srs. Inspectores não encontraram por lá qualquer exemplar das obras do Paizinho dos Povos ou do camarada Lenine? Nem sequer um livrito vermelho do benévolo Mao? E, se encontraram, não lhes mereceu apreensão?
Pergunto também: o Sr. procurador titular do inquérito (por ora, é de supor que algum haja, embora talvez pouco mande no assunto) já ordenou o levantamento da apreensão e a restituição do livro ao proprietário, com esclarecimento público de que o abuso será averiguado e não terá repetição? Se não, o que espera?
Pergunto ainda: e desta vez não há gritas pelo perigo em que a democracia se encontra? Ou isso é só quando acontecem coisas gravíssimas, tais como o primeiro-ministro da nação ser o Sr. Santana Lopes? Onde estão os autoproclamados campeões da esquerda que se diz democrática (o que no caso do Sr. Blair era a mais pura verdade...), sempre andantes e ardentes cavaleiros defensores das mais amplas liberdades? Entenderão porventura que os nazistóides não têm direito a possuir livros, por isso lhes não merecendo a coisa reparo?
Pergunto enfim: se for denunciado como perigoso fassista, perigo que manifestamente enfrento, a PJ, ao fazer a competente busca no escritório do meu domicílio, apreender-me-á as obras do Orwell, que guardo até agora com respeitoso desvelo e recomendo à minha prole? Deixará ficar os cinco volumes das "Obras Completas" do Paizinho dos Povos (edição do PCF, Paris, 1957 - capas duras e ilustrada), que igualmente recomendo? E o que fará ao "Mein Kampf que lá guardo, lido apenas até metade? A omissão da leitura da outra metade valer-me-á atenuante, caso logre prová-la?

Apreensivo com as apreensões, vou tratar, num ápice e a escondidas da vizinhança, de dar sumiço em toda essa literatura perigosa. Não quero problemas com a justiça e li uma vez um livro do Sr. Ray Bradbury (também vai fora, catano!), do qual há filme ("Farenheit 451"), onde se ensina muito bem o mal que os livros podem fazer; apre. Claro, podia emprestar ou mesmo doar as obras completas do Orwell aos Srs. PJs, à seita do bloco, aos Srs. Procuradores e tutti quanti - admitindo porém que os conseguissem ler (e é um grande se...), não ponho a menor fé em que isso lhes aproveitasse minimamente. Fica a apreensão - e o triunfo dos porcos.

26 abril, 2007

Pitecantropos



Estes senhores fazem isto e não há buscas às sedes do BE e do PCP e nem a apreensão de um ou outro livrinho?

18 abril, 2007

Oportuna lembrança de Camões


Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E, para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado.
Esparsa
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
De "Os Lusíadas"

Idio(to)ssincrasias

Duck-O-sucker

Fernanda Câncio, aquela senhora que escreve sempre em minúsculas e que se está a marimbar para o destino dos fetos, anda agora a choramingar por causa da morte do seu aspirador.

17 abril, 2007

A saga do Sr. Engenheiro

Continuam as revelações nada surpreendentes acerca do dôtôr-engenheiro que comanda os destinos desta taberna que se convencionou chamar Portugal. Agora, de acordo com o Sol, para obter aprovação no malfadado curso de inglês técnico ministrado pelo impoluto reitor Arouca, bastou ao nosso primeiro um “teste” efectuado no recato doméstico. Ao contrário do que disse na entrevista da semana passada, pelo tom da missiva que dirigiu ao reitor, em papel timbrado da Secretaria do Ambiente, parece que o nosso primeiro mantinha já uma relação de amizade com o citado reitor.
Não acredito que mais esta revelação seja de molde a provocar no determinado timoneiro o mais leve rubor, a mais pequena ponta de vergonha. Mas parece-me óbvio que a saída para a crise se mostra cada vez mais afunilada. Talvez um empurrãozinho...

12 abril, 2007

Palhaços


Ursinho Doutor por Stanford
PhD de 1996 (foto anterior ao rasganço)

Foi absolutamente edificante, o espectáculo circense que ontem a têvê do Estado prodigalizou à nação. Dirigido a "esclarecer" as massas sobre o impoluto carácter do Sr. Pinto de Sousa, oficiante principal do nosso actual desgoverno, tornando-as cientes da magnitude da "campanha" de maledicência que o aflige (fundada em insinuações cuja torpeza apenas é igualada pela ausência clamorosa de fundamento sério), terá atingido cabalmente esse alto objectivo - ao menos a fazer fé na "sondagem" telefónica com que a SIC Notícias, privada do mediático exclusivo, avaliou o alcance do acontecimento na duvidante psique colectiva da população; ao início da madrugada, fomos informados de que à pergunta "considera que os esclarecimentos do primeiro-ministro foram suficientes?" (ou algo assim...), 61% dos lusitanos teriam respondido um aquietado SIM, e apenas 39% um céptico NÃO...

Intrépidos, com certeira e pertinente fúria perguntadora, os Srs. jornalistas assediaram o venerando primeiro-ministro fustigando-o com questões árduas e inquisidoras. Nada todavia lhe perturbou a serenidade dos puros. A tudo respondeu em jeito conciso e directo, dissipando qualquer dúvida sobre a inquestionável honestidade da obtenção e exibição dos seus tonitruantes graus académicos. Desde exibir as papeletas do ensino em protesto indignado de ser dótôr tão bom quanto os demais, até considerações benevolentes sobre a pessoa do Eng.º Belmiro, Sua Excelência nada escamoteou ao país.

O povo, em sua sadia simplicidade e inesgotável boa fé, tem-se por cabalmente satisfeito e ressarcido de qualquer angústia que a sombra da dúvida lhe houvesse infligido. É porém de temer que entre os tais 39% militem, com escura má vontade e colmilhos escorrentes de baba infecta, todos esses intelectuais mesquinhos que se preocupam com minúcias académico-burocráticas, não mostrando fé na rija e honrada palavra do Sr. primeiro-ministro (para mais afiançada pelo probissímo Professor Jorge Coelho, em directo na SIC Notícias), ou na documentação brandida, e nem no salvífico "rumo" que putativamente vem imprimindo à barca da nação. Deus os confunda, ou lhes perdoe, como for a Sua insondável opção.

A esses nada contenta, determinados que estão a trilhar as vias da calúnia, do boato, da difamação, e só por isso estranham, doentios, que Sua Excelência haja corrigido o boletim para a memória biográfica do parlamento apenas "para melhor esclarecimento", ou as peripécias do professor quadruplamente regente, ou ainda os livros de termos sumidos, tudo já nem falando de coisas verdadeiramente insignificantes como enissões de documentos aos domingos ou o alegre e aplicado correr de um ano lectivo sem apresentação do certificado comprovativo das habilitações que dele possibilitariam frequência.

Favorecimento? Emprego abusivo de títulos? Pressões censórias sobre jornalistas? Tudo isso são calúnias, salpicos de lama que o Portugal senil, decrépito e atrasado procura lançar sobre o jovem e determinado timoneiro. Em vão, porque o teremos ainda e sempre ao leme, inçado de reformas grandiosas, conduzindo a Pátria a prados verdejantes de progresso, desbravando horizontes de modernidade, rumo a êxtases de desenvolvimento e à fulgurante liderança da "Europa", tudo a poder de franqueza com as massas, transparência e inquebrantável enfrentamento dos "interesses corporativos".

Só a tal minoria continuará, caquética, a murmurar que o homem trambicou uma licenciatura, que para o efeito se pôs de conúbio com os áulicos de uma universidade de poacotilha, que os ditos lhe fizeram um jeitaço e que aí está, um Sr. Engenheiro, um pobre triste que se sentia diminuído por não ostentar a grandeza de um título e agora, depois de o ter urdido, se lembra tardiamente que os graus académicos não fazem o valor dos Homens, ou pelo menos não são o único modo de fazê-lo.

Por mim, reaccionário obtuso, conservador empedernido, retrógrado ultramontano, sou daqueles últimos, da tal minoria. Tenho o ser em causa por um vulgar aldrabão; de resto, já tinha antes desta trapalhada, a qual, a ter ocorrido no tempo do Sr. Santana Lopes, já teria valido ao país comoção bem mais larga, e quem sabe fulminantes dissoluções, a pretexto de um doutor da mula russa não poder governar um país que se respeite.

Mas é este o Portugal reformado: universidades "Simplex", atribuidoras de "diplomas na hora". Consola-me a ponderação de que, lá bem no fundo, o Sr Engenheiro sabe, e sabe que os outros sabem, que não passa de um pobre medíocre, que fingiu um título por pensar que isso fazia dele pessoa de mais substância.

11 abril, 2007

Outras reacções

Outras reacções à fantochada, no Combustões e na GLQL.

Fantoches


Acabei de assistir à abjecta "entrevista" transmitida hoje pela estação televisiva do Regime. Sempre tive reservas quanto à necessidade (?) de uma televisão pública. Hoje fiquei definitivamente esclarecido de que, a mais de desnecessária, não é recomendável. As perguntas dirigidas ao primeiro-ministro por dois jornalistas amestrados (a pergunta sobre a OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom foi uma das mais esclarecedoras sobre o modo como a "entrevista" foi preparada...) são prova mais do que evidente de que um tal órgão mais não é do que um dócil instrumento de quem se senta na cadeira do poder. Quanto ao uso indevido, pelo primeiro-ministro, de um título académico, e com a excepção do Procurador-Geral da República, estamos todos esclarecidos.

04 abril, 2007

O Cartaz: teologias...





A escrita de Borges, como os copiosos labirintos que a povoam, prende o espírito do leitor, condenado a percorrê-la, laboriosa e inutilmente procurando, entre as suas inumeráveis esquinas e infinitos corredores, um fio que o leve à saída. Uma vez entrado, o inquiridor de mistérios literários já não volta. Pela vida fora julgará com frequência que palmilhou todo o inverosímil edifício e que, não lhe vendo a porta e nem sequer o sentido, de algum ignorado modo saiu, ou foi retirado. Porém, e essa é a cadeia mais forte, regressa sempre, uma e outra vez, em todas vendo vendo ruir o conhecimento que julgava ter, em todas sendo forçado a vaguear por novos corredores, a dobrar novas esquinas. Á força desses retornos e reiteradas frustrações, tende a acreditar que topou com novas Escrituras: ali há tudo, ali está tudo, em todos os tempos, e em boa verdade o que ali não encontrar explicação não tem relevante existência.
Passe algum gongorismo, induzido talvez pelo ócio, quero assim justificar o recurso às tramas do grande escritor para interpretar mais um fenómeno da suposta modernidade lusitana. Enquanto nos não guinda a cumes de progresso e desenvolvimento ainda inalcançáveis até pela vista, o que garantidamente sucederá logo que nos outorgue o casamento e a adopção gays, entre outros epítomes de civilização que por ora nem logro sonhar, a esquerda, sempre vigilante, exultante por topar com fassistas dos verdadeiros, indigna-se com um cartaz. Pela voz das suas costumadas vestais, grita, rasga as vestes, brande artigos de código penal e exige prisões - exige pelo menos a queima da papeleta, em novíssimo auto-de-fé, no qual o abjecto objecto consinta, como efígie, morigerar a inevitável frustração de uma temporária impossibilidade de lhe chamuscar os coladores.
Mas o que tem o Borges que ver com isto? Eu digo.
Em 1949, incluído n'"O Aleph", urdiu um conto intitulado "Os Teólogos". Nele João de Panónia, castigador da heresia dos anulares, ou monótonos, que breve e certeiramente refutou, levou com isso Euforbo, o heresiarca, a ser condenado à fogueira; enquanto não ardia (é um modo de dizer...) proclamou Euforbo que "isto aconteceu e voltará a acontecer. Não acendeis uma pira, acendeis um labirinto de fogo. Se aqui se unissem todas as fogueiras que eu tenho sido, não caberiam na terra e os anjos ficariam cegos. Isto disse eu muitas vezes".
Em todo o caso, Aureliano, coadjutor de Aquileia, viu-se ultrapassado pela refutação de João de Panónia e doeu-se da intrusão deste na sua especialidade teologal. Nos anos seguintes levaram a cabo silenciosa contenda; cada qual por seu lado afanosamente castigava novas heresias e debalde nos textos de um se procurariam referências ao outro.
Muito depois, procurando sintetizar ainda mais uma heresia, que lhe cumpria refutar, e esta postuladora de que o tempo não tolera repetições, Aureliano tirou da mente um texto que logo reconheceu ser recordado e não original; reflectindo, lembrou que era nem mais nem menos do que o argumento de João para condenar os anulares, o que não deixou de sublinhar quando apresentou a sua nova refutação: em resumo, escreveu que o defendido pelos novos hereges era afinal o que já antes um ilustre varão dissera: "o que ladram agora os heresiarcas para confusão da fé, disse-o neste século um varão doutíssimo, com mais irreflexão que culpa". O afã de queimar os mais recentes levou o teólogo com eles coincidente à mesma fogueira. Ardeu João de Panónia, que antes de morrer julgou recordar no rosto do inimigo o de alguém.
Ora, o tempo não pára e mais tarde ainda morreu também Aureliano, que entretanto sempre se justificara da conduta que levara à morte de João; curiosamente, um incêndio que a Providência ateara com um raio fê-lo morrer como morrera João.
O final da história, e cito, "só pode ser narrado com metáforas, já que se passa no reino dos céus, onde não há tempo. Caberia talvez dizer que Aureliano conversou com Deus e que Este se interessa tão pouco por diferenças religiosas que o tomou por João de Panónia. Isto, no entanto, insinuaria uma confusão na mente divina. É mais correcto dizer que no paraíso Aureliano soube que para a insondável divindade ele e João de Panónia (o ortodoxo e o herege, o aborrecedor e o aborrecido, o acusador e a vítima) formavam uma só pessoa".
E eis aqui, enfim, onde pretendia chegar. Não o sabem, porventura; talvez nem sequer o suspeitem, mas são uns e os mesmos, os heréticos coladores e os "pontualíssimos inquisidores de heterodoxias" que em lugar de lhes atacarem a heresia, ou a mais disso, os querem privar do direito de postar papeletas. Acendem labirintos de fogo, porque é o que sabem fazer e, monótonos, assimilam quem se oponha a mais fogueiras aos mesmos hereges que querem queimar e que se puderem os queimarão a eles.

Os Tigres - atrás de Borges


«DREAMTIGERS

Na infância exerci com fervor a adoração do tigre: não a do tigre fulvo dos camalotes do Paraná e da confusão amazónica, mas a do tigre raiado, asiático, real, que só os homens de guerra podem enfrentar, sobre um castelo, em cima de um elefante. Costumava demorar-me sem fim diante de uma das jaulas do Jardim Zoológico; apreciava as castas enciclopédias e os livros de história natural pelo esplendor dos seus tigres (recordo ainda essas figuras: eu, que não posso recordar sem erro a fronte ou o sorriso de uma mulher). Passou a infância, caducaram os tigres e a sua paixão, mas estão ainda nos meus sonhos. Nessa napa submersa ou caótica, continuam a prevalecer. Senão veja-se: adormecido, distrai-me um sonho qualquer e logo sei que é um sonho. Costumo então pensar: isto é um sonho, uma pura diversão da minha vontade, e já que tenho um ilimitado poder, vou causar um tigre.
Ó incompetência! Nunca os meus sonhos sabem engendrar a apetecida fera. Aparece o tigre, isso sim, mas dissecado ou débil, ou com impuras variações de forma, ou de tamanho inadmissível, ou muito fugaz, ou parecido com um cão ou um pássaro.»



«O OUTRO TIGRE

And the craft that createth a semblance
Morris: Sigurd The Volsung (1876)

Penso num tigre. A penumbra exalta

A vasta biblioteca laboriosa
E parece afastar as prateleiras;
Forte, inocente, ensanguentado e novo,
Ele irá por sua selva e manhã
E marcará seu rasto na limosa
Margem de um rio cujo nome ignora
(No seu mundo não há nomes nem passado
Nem há porvir, só um instante certo)
E saltará as bárbaras distâncias
E farejará no entrançado labirinto
Entre os odores o odor da alba
E o odor deleitável do veado.
Entre as riscas de bambu decifro
Suas riscas e pressinto a ossatura
Debaixo da pele esplêndida que vibra.
Em vão se interpõem os convexos

Mares e os desertos do planeta;
Desta casa de um remoto porto
Da América do Sul, te sigo e sonho,
Ó tigre que és das margens do Ganges.
Escorre a tarde da minha alma e penso
Que o tigre vocativo do meu verso
É um tigre de símbolos e sombras,
Uma série de tropos literários
E de memórias da enciclopédia
E não o tigre fatal, a aziaga jóia
Que, sob o Sol ou a diversa Lua,
Vai cumprindo em Sumatra ou em Bengala
Sua rotina de amor, de ócio e de morte.
Ao tigre dos símbolos eu opus
O verdadeiro, o de cálido sangue,
O que dizima a tribo dos búfalos
E hoje, 3 de Agosto de 59,
Alarga na planície pausada
Sombra, mas já o facto de o nomear
E de conjecturar sua circunstância
Fá-lo ficção da arte e não criatura
Vivente das que andam pela terra.

Terceiro tigre buscaremos. Este
Será como os outros uma forma
Do meu sonho, um sistema de palavras
Humanas e não o tigre vertebrado
Que mais além das mitologias
Pisa a terra. Bem o sei, mas algo
Me impõe esta aventura indefinida
Insensata e antiga e persevero
Em buscar pelo tempo desta tarde
O outro tigre, o que não está no verso.»

O Fazedor, 1960

03 abril, 2007

Ainda o cartaz


O cartaz que convidava os imigrantes a se transformarem em emigrantes esconde, não duvido, motivações as mais repelentes. Menos repelentes não foram, porém, as posições de todos os torquemadazitos, diogos de deza e tutti quanti que por alguns desses jornais e blogues prontamente reclamaram a fogueira e os tormentos para os pais da coisa. Essa malta do bloco e quejandos pura e simplesmente não consegue perceber o valor da livre expressão, mesmo da má expressão, numa sociedade democrática.

No princípio era o verbo...



Este é, como se vê, um novo blogue. Nele, a "postagem" vogará ao sabor da disponibilidade e humor dos escribas, segundo as ocorrências do momento. Para já fico por aqui. Mais tarde, juntar-se-me-á o Kzar e mais um ou outro oficiante.