Cícero, denunciando Catilina no Senado

Cícero, denunciando Catilina no Senado

27 setembro, 2007

A dignididade

Ainda sendo adepto indefectível do grandioso FC Porto, houve ontem um acontecimento que considero ultrapassar largamente a relevância da eliminação daquele aos pés do modesto Fátima. O Sr. Santana Lopes, pessoa por quem não nutro particular estima política, deu à Pátria um exemplo claro de como deve reagir uma pessoa de bem e séria quando confrontada com a estupidez militante dos média, dos fazedores de opinião e tutti quanti. Muito elegante mas firmemente mandou-os à merda, substância à qual a presença dos seres em causa inflige alguma degradação qualitativa mas que ainda assim julgo adequada a recebê-los.
O país continua afanosa e quotidianamente a cavar abismos insondáveis de cretinice em que se afunde e uma das razões porque já não há profundímetro que meça tais buracos é a de a larguíssima maioria das vozes com amplificador mediático se sujeitarem ao domínio dos critérios de idiotia que vão preponderando - sendo de resto as usuais autoras dos ditos critérios. Mais até do que assinalar a grande maioria, há muito que estava convencido de que a pelintrice intelectual era a marca de água da totalidade desses vociferantes. Agradeço ao Sr. Santana Lopes ter-me provado que não são todos da mesma massa.
Não posso, além disso, deixar de tecer mais umas considerações. O Sr. Santana Lopes não afecta pose de pessoa sisuda que não dá troco à bola. Pelo contrário, já andou longamente nisso dos futebóis, sendo presidente do Sporting e até comentador televisivo das ocorrências do relvado. Nunca precisou de afectar superioridade em relação a essas coisas para vincar seriedade. Outros há que, de contínuo, com ponderação ou não, cacarejam histericamente contra a bola e, muito em especial e aí com razão inteira, denunciam, incomodados, as aberturas de telejornais com os jogadores e os treinadores e os pénaltis durante meias horas e mais. Porém, na hora da verdade, saloios, pelam-se por continuar a vender os seus fétidos peixes opinativos nas mesmíssimas pantalhas da estupidez. Aprendam com o exemplo, se forem capazes, e logo verão como se obtêm num ápice resultados muito maiores do que chilreando do modo costumeiro.
Quanto ao Sr. Santana Lopes, de novo e enfim, cometeu um acto de higiene que pela minha parte, sem grande esperança, gostaria que fosse seminal. Subiu na minha consideração de um modo que não consigo descrever - ao pé dele, a militância verbal anti-bola do Sr. Pacheco Pereira, só para exemplificar com a mais conspícua, revela em toda a clareza não passar de mera snobeira inconsequente.

23 setembro, 2007

"Férias de humanidade"




Baixa da Lobeira, Ilha do Arcanjo.10:00 h., mais coisa menos coisa. Arma em madeira de fabrico artesanal. Seis inspirações e expirações, 3 delas abdominais. Água turva e o fundo a uma distância de 17 a 20 metros. Mergulho e, sensivelmente a 12 metros, deparo-me com a alimária das fotografias, um concentrado de filetes, lombos e de dentes afiados como lâminas. Ou, se quiserem, uma anchova (ou potomatus saltatrix para os mais miudinhos ou ainda bluefish para a Fernanda Câncio) – um extraordinário predador que nas terras continentais tem o robalo como homólogo. Talvez por isso, ignorou-me na sua altivez. Fez mal. Uma breve perseguição submarina e em cerca de 1:25 min. tudo estava acabado. Aguarda agora lugar de vedeta em eventual confraternização gastronómica com o Kzar (este, como se sabe, até agora armado em “macho dominante” em matéria de questões piscícolas) e outros compinchas.

16 setembro, 2007

A via da suavidade




Enquanto o Sr. Scolari se exercita na nobre arte do pugilato com tiques de pancrácio, gerando uma autêntica crise de identidade e orgulho nacional, eis que a nossa a Telma Monteiro, muito menos mediática, acaba de conquistar uma medalha de prata no Mundial de Judo a decorrer no Rio de Janeiro. O melhor resultado de sempre do Judo lusitano. Para os que não sabem, ou para os futeboldependentes, o que é o mesmo, o Judo é o desporto de combate mais praticado no mundo e o mais competitivo de todos. Penitenciando-me de não saber postar videos do Youtube, remeto para estes dois que dão bem a noção da espectacularidade da modalidade.

14 setembro, 2007

Professor James Piscatori

O Professor James Piscatori, da Universidade de Oxford.

Esta " lecture" sobre o "Islão e a Democracia" é uma reflexão pertinente e perspicaz sobre um dos mais importantes temas de pesquisa da actualidade.


13 setembro, 2007

O diário de Kate


Parece que o diário de Kate McCann foi apreendido pela Polícia Judiciária. Dos “donos da liberdade” indígenas, nem um pio. A imprensa, por seu turno, aborda a questão com uma desconcertante naturalidade, como se a invasão da esfera íntima fosse uma inevitabilidade da investigação criminal. Não se coíbe, até, de se erigir em sórdida porta-voz de alguns dos pormenores ali descritos.
Por definição, um diário é um repositório de reflexões íntimas, de encontros e confrontos de cada um consigo mesmo, (como alguém já disse) "um confessionário sem confessor". É por isso que reputo extravagante, a mais de repugnante, a dita apreensão que, como se não fosse suficiente, ocorreu há já um mês e só agora foi presente ao juiz, numa altura em que, alegadamente, “ já não será de grande utilidade para a investigação”. Ou, por outras palavras, a PJ terá ocultado à autoridade judicial a apreensão do diário em causa, usou a informação que dele extraiu e, quando ele deixou de ser necessário, … apresentou-o ao juiz de instrução criminal, assim tratado como uma espécie de receptador de material probatório. Resumindo e concluindo, cheira-me que este caso vai acabar numa vergonhosa bronca mediático-judiciária.

Um exemplo de Escolari...

Declaro antes de mais nutrir pelo Sr. Scolari, em infausta hora contratado para seleccionador principal de futebol pela Federação Portuguesa desse jogo, uma profunda e invencível aversão. Digo-o, logo à partida, para deixar de sobreaviso o eventual leitor e em jeito de "declaração de interesses" como a que é imposta aos senhores políticos (pela maior parte dela incumpridores).

O dito senhor, chegado a Portugal, esta terra onde no imaginário brasileiro somos todos irremediável e militantemente burros, nos chamamos Joaquim ou Manuel, exploramos mercearia e temos esposa ataviada de preto carregado e com buço espesso, ponderou a necessidade de fazer-se aclamado, querido das massas endemoninhadas da bola. Dado o clima constante de "portofobia" e a avassaladora maioria de adeptos do SLB ou do SCP, empedernidamente hostil ao Sr. Pinto da Costa, a quem imputa todos os males, reais e supostos, do girabola luso, nada mais fácil do que juntar-se a essa massa.

Se bem o terá pensado, melhor o fez: num ápice, o Sr. estava pegado com o dito Pinto da Costa e exprimia a maior repugnância pelo FCP. Também por isso o detesto, não fugindo à minha condição de indefectível adepto do melhor clube do mundo, coisa que declaro movido do mesmo espírito de clareza acima referido, e o certo é que durante muito tempo sempre que ensaiei uma crítica ao seleccionador, os companheiros da ocasional tertúlia recebiam-na com condescendência e até desprezo, sorridentes e à laia de quem diz "olha este, lixado por não convocarem o Baía". Em suma, criou-se uma quase unanimidade segundo a qual agora é que isto estava bem e até havia um tipo teso que enfrentava o Pinto da Costa.

E agora, ó pessoal?!? Já nem falo do que era há muito óbvio: o Baía era muito melhor do que o Ricardo, incomparavelmente melhor, nem sequer eram da mesma categoria; o Scolari faz e sempre fez escolhas que são baseadas em puras preferências pessoais e subjectivas, ao invés de minimamente estribadas no mérito e capacidades relativas dos jogadores; pensa que autonomia técnica é não ter de dar satisfações a ninguém e poder ainda responder de modo mal educado a tudo e a todos; a célebre inflexibilidade dele não é mais do que teimosia reles; é tacticamente um tosco, conservador e tímido; conseguiu enfim a proeza de a troco de muitos milhares por mês ter perdido ocasião soberana para ganhar com a selecção o campeonato da Europa de 2004 e, analizado o actual percurso nesta fase de apuramento para o de 2008, o resultado é paupérrimo, estamos à rasca, apesar da sorte, e nos últimos três jogos três empates... Um imenso lote de bons jogadores foi disfarçando o problema (como já lhe acontecera no Brasil), mas muitos bons jogadores não são uma equipa, e agora já não há como esconder.

Podia continuar com larga cópia de palermices que só não viu e vê quem quer estar de olhos fechados, a começar pelo lastimável jogo de ontem, contra a Sérvia, em Alvalade, relativamente ao qual bem pode o ser em causa queixar-se de que o golo dos outros foi irregular - pois foi, era fora de jogo do avançado que o marcou, mas a questão não é essa. O ponto é que já há muito toda a gente via que tarde ou cedo íamos apanhá-lo, que a equipa estava numa desorganização de pasmar e que quando contra-atacava o treinador estava na linha a gritar ao Simão e tutti quanti que tivessem calma. Mas já chega, e não sou especialmente versado nas coisas da bola para continuar por aqui - não sou doutor da bola.

Chato, mesmo chato, o que aqui enfim importa é constatar que o que eu pensava dele fica agora provado além de toda a dúvida. É caso para soltar um sonoro "eu bem dizia"... O Sr. Scolari é psicologicamente instável, violento, propenso à negação mentirosa das evidências e toma-nos a todos por parvos. Quanto aos lastimáveis resultados, ousou dizer que não foi ele quem perdeu, que nem sequer joga e outras pérolas; quanto ao comportamento bizarro que no fim do jogo assumiu, começou por dizer que não bateu no jogador adversário, depois disse que só lhe bateu um bocadinho e para defender o Quaresma! Como se não tivessemos todos visto, e como se depois de desferir um soco na cara do tal jogador fosse relevante que lhe acertasse em cheio ou de raspão.
O homem é de topete, mas aguardo para ver se o Sr. que preside à Federação é feito com melhor massa. É que para já a única pessoa que ouvi a pôr as coisas como devem sê-lo foi o treinador adversário: Não são aceitáveis tal mau perder e tal atitude num treinador campeão do mundo, de quem se espera exemplo, e não há no desporto lugar para comportamentos assim nem para as pessoas que os tomam. Voltando ao tal presidente: há tempos afastou da selecção por dois anos um fedelho de uma equipa de sub-18 que tirou o cartão da mão do árbitro que lho exibira; fez muito bem; veremos o que faz agora ao seleccionador boxeur que soqueia um jogador da equipe adversária, ao vivo e em directo, e depois mente sobre isso na televisão, com acentuação da habitual pose pesporrente. Demiti-lo-á? Nááá... em Portugal já se perdeu essa vergonha.
Entretanto, uma coisa é garantida: os nossos jogadores já têm a internacional fama, e não raro o proveito, de serem arruaceiros, batoteiros e lesados fingidos, e agora por cima de episódios como o da meia final do Euro 2000, com grande sururu, empurrões ao árbitor e três jogadores suspensos longos meses, a mais do João Pinto a dar um soco na pança do árbitro em pleno jogo do Mundial de 2006, e além do tal puto que arrancou o cartão da mão do árbitro, pode a comunicação social desse mundo exibir as imagens do seleccionador de Portugal ao soco na tromba dos jogadores adversários e talvez comentar que depois disso o homem não foi despedido; que isto com os portugueses é mesmo assim. Vou mas é ver râguebi, que isso sim parece-me um jogo de gente séria.

12 setembro, 2007

O Tutor

Nos últimos dias, a propósito de um artigo de opinião do Sr. José Pacheco Pereira (JPP), infligido no jornal "Público", estalou mais uma daquelas polémicas que de contínuo sobressaltam a "blogoesfera" nacional (ver aqui, aqui e aqui). Resumindo, JPP refere-se a determinada obra cujo tema será o potencial da net para, conferindo capacidade de divulgar opinião a qualquer um, minar progressivamente a cultura ocidental, mediante submersão daquilo que tem valor sob avalanches imparáveis de disparates amadores, arrotadas pela ignorância presumida dos "internautas" comuns.

Às muitas críticas de vários tons que lhe foram dirigidas, JPP replicou, em nota à "postagem" do dito artigo no "Abrupto", que a generalidade (ou totalidade) dos críticos teriam comentado o citado livro sem sequer o lerem, e achariam isso normal, o que para ele é sinal patognomónico do acerto das suas próprias teses.

Será talvez desnecessário juntar a voz ao coro e lançar daqui mais catilinárias, até porque os temores milenaristas que subitamente tomaram JPP extinguem-se habitualmente por si mesmos e tanto mais depressa quanto menos se lhes ligar. A notoriedade do escriba, todavia, move-me a ajudar à festa.

JPP, por razões plrúrimas que seguramente incluem os seus muitos méritos intelectuais mas porventura também outras menos honrosas (recordo, com pouca exactidão, um dito de Miguel Torga, segundo o qual a pequenez da Pátria constrange tal emaranhado de laços que não há vontade de porteiro ou de ministro que se não vença...), é desde há anos personagem com lugar cativo nos púlpitos convencionais onde se produz a opinião lusitana. Tem megafone que adquiriu por usucapião e neste Portugal de opinantes encartados, de especialistas em generalidades e sabedores profundos de quase nada, foi mesmo dos mais lestos a alastrar as suas palpitantes opiniões ao espaço menos convencional da "blogoesfera", abrindo estabelecimento que subsiste ainda.

Constatado isto, dir-se-ia, com espírito cordato, que o mundo é de todos, que se só alguns atinam com os caminhos da publicação em jornais e revistas de larga tiragem ou mesmo na "tele-tele", já a net é acessível a qualquer, que ainda bem e cada qual por si e Deus por todos. JPP não considera assim, todavia. Para ele, o acesso massificado a tal meio de comunicação, permitindo a qualquer idiota que, pasme-se, «sem edição» (!), escreva o que lhe aprouver e alcance maior ou menor público, é receita que leva a nada menos do que a perigo de morte para a cultura ocidental...

JPP procura disfarçar o mais rísivel da sua argumentação sob uma camada de referências críticas a malfeitorias várias que a net e o contexto da sua utilização propiciam e até os mais néscios reconhecem; mas nem por nisso ter razão o argumento central fica menos tolo, e nem efectivamente escondida a parvoíce.

Penso conseguir convocar à imaginação quantos disparates semelhantes terão sido proferidos, com maior circunstância, mais à la longue e radical convencionalidade de meios (que eram outros os tempos) a propósito dessa maléfica invenção que foi a imprensa, com a qual a cultura ocidental foi posta de pernas para o ar. "Então agora qualquer leigo desqualificado publica livros, já não somos só nós nos mosteiros!? E nem são feitos em pergaminho! O que vai ser da ponderada reflexão que tem dado tão brilhantes resultados? E não há Sr. Abade que com paternal benevolência e maior sabedoria escrutine o que vai levar-se às mentes das pessoas? Não será a fé confundida? O mundo deve estar para acabar" - angustiadas reflexões que, com outras similares, terão ao tempo assaltado os antepassados intelectuais de JPP, tudo a respeito da invenção do Sr. Guttenberg.

Claro, JPP, ponderado e até magnânimo, lá concede que da net também venham porventura coisas boas e que o senhor que escreveu o tal livro é um tanto desbocado, inaugurante talvez de um filão editorial com contornos que no plano económico venham a ser paralelos aos do "Código Davinci". É o que se chama dar uma no cravo e outra na ferradura, mas em todo o caso com mais vigor nesta última, ou por outras palavras ver se a malta engole o disparate enquanto olha para as roupagens de juízo e sensatez em que vem embrulhado.

Mas não pega. Felizmente os cavalos não estão para isso e sentem logo o sapato mal calçado. JPP presume, e é talvez essa a explicação da assunção daquela sua posição, que furiosos a teclar, no lado de lá da net, há apenas hordas infindáveis de piratas, ladrões de direitos de autor, malfeitores sortidos e, de toda a maneira, grosseiros ignorantes empedernidos, cavernícolas com uma caneta na mão, amadores ignorantes e presumidos, determinados ao desmantelamento total da civilização. Está errado, o que lhe seria fácil perceber. Há de tudo, como na botica, e os que interessam detectam de imediato o significado último das suas (dele) angústias.

Como escreve um dos primeiros zurzidores, réptil alado, flamejante e sempre atento, obstinado escrutinador de ortodoxias desconchavadas, JPP revela nunca ter afinal abandonado totalmente o ambiente intelectual em que se criou, que lhe moldou o ser nas primícias da juventude, e ter ainda porção considerável do espírito na República Popular da China. Na verdade, até já louva uma alegada legislação italiana que, sem prévia e cabal identificação do usuário (como agora se diz), impedirá o acesso à net em cibercafés...
Talvez queira também instituir a necessidade de alvará, de uma espécie de carta de condução da net, a ser concedida mediante apresentação de atestado de robustez física e saúde psíquica impecáveis, seguida de frequência de escola especializada e subsequente exame, tudo sem prejuízo da dispensa de tais formalidades no caso dos profissionais em trinchar ideias. No fundo, lá bem no fundo, mas muito à vista, JPP nutre um desvelado carinho pelo seu papel de tutor da opinião, e teme pelo futuro da espécie se ele e os demais tutores deixarem de ter mão nisto. Onde irão as coisas parar se agora qualquer um escreve e pode ter algum público? Então esta gente opina e estrebucha no ciberespaço sem querer saber de nós, polícias de trânsito da cultura, sem nos ligar pevide?

É pena. Pensava que JPP, com quem tantas vezes concordo, estava em geral no campo de cá. Mas não, isto do liberalismo é coisa que só medra em terreno fértil. Lá dizia o Orador, «ou é do sal que não salga, ou é da terra que se não deixa salgar...», no caso parecendo-me bem que àquela terra nada a salgará - uma vez comuna, no fundo sempre comuna; bem pode afectar que a preocupação lhe é ditada por justa oposição aos deletérios "libertarismos", taxando como tal o que são para outros as mais fecundas liberdades, mas fica claro que estas é que lhe doem.

Tanto que perde o tino de vez e lança mão do tal argumento bacoco, segundo o qual os sicofantas da ignorância, criticando o livro sem sequer o lerem, lhe dão razão inteira! Ora, eu não li o livrito, mas JPP, tutelar, diz que sim, que leu, e fez o favor de nos resumir a todos a sua ideia central, que de resto largamente acompanha. Pois bem, uso o que resta da credibilidade que lhe atribuo ainda e com ela admito que o resumo é fiel; segue daí declarar que não gosto da ideia, posto que em boa verdade correctamente transmitida, nem da do JPP, que se lhe pegou; e é esta que critico; o maço de folhas, se com ele topar em alguma curva da vida, já o não vou ler, que não há tempo para tudo; mais lógica não me parece poder ser a coisa; e escrevo tudo isto, felizmente sem ter de solicitar, ao JPP ou a outrem, nihil obstat ou imprimatur, a mais disto tudo lembrando ainda que mal à cultura vem sim, e muito, do facto de pessoas letradas e aparentemente até sábias escreverem coisas como «(...) nem por isso, nada nos garante que (...)». Não se maltrata assim a língua de Camões, que nenhuma culpa tem nesta polémica.

11 setembro, 2007

Emmanuel Sivan


" Radical Islam has made tremendous inroads into the hearts and minds of Arabic-speaking Muslims. In the socio-cultural realm, militant Islamic discourse maintains a hegemony in the public debate among Arabs, replacing Pan-Arabism and Marxism. Islamism has a profound impact on gender roles, fertility, consumption habits, as well as on the marginalization of local Christians and the censorship of movies, plays and books. Hyper-rigorous religious practice has spread, leading to a growing social pressure towards conformity, the best example of which is the donning of the veil by women. Voluntary Islamic organizations proliferate; the popularity of Islamist media (notably audio- and videotapes) grows; and religious activism resurges as the major avenue for venting both protest and the craving for change. The cultural success of radical Islam resides, above all, in the strength of voluntary Islamic associations."

Emmanuel Sivan, Maio 1998



Vale a pena dar uma vista de olhos neste artigo profético.



http://www.biu.ac.il/SOC/besa/meria/journal/1998/issue2/jv2n2a2.html

(PS: A pintura é de J. Pollock)

O dia da Infâmia


04 setembro, 2007

A SATA, a ANA, o governo e a pata que os pôs...

Dia 4 de Agosto do ano da graça de 2007. Começo das almejadas férias. Com o bilhetinho na mão, aqui o artista zarpou para o aeroporto de Ponta Delgada, a fim de apanhar o aviãozito para as Flores (directo) e juntar-se à famelga e amigos, que já lá estavam. A partida estava aprazada para as 16.00 h (acho eu) e a duração prevista do vôo era de uma hora e vinte. Cheguei com cinquenta minutos de antecedência, fiz o check-in e 'bora lá para a sala de embarque. Passam as 16.00, as 16.30, as 17.00, as 17.20 e nada. Não há chamada e muito menos há qualquer explicação ao rebanho de autóctones e turistas a quem a SATA faz o favor de deixar pagar-lhe. Toda a gente percebe que há outros vôos atrasados, mas o inacreditável é que sempre sem explicação alguma a certa altura lá começam a deixar passar pessoas no portão de embarque destinado aos passageiros para as Flores e, quando este burro pagante, depois de alguns minutos mais de paciência na fila, mostra o cartão de embarque e o BI, a menina diz que estavam a embarcar era passageiros para um sítio não sei onde e que não era a ilha das Flores. Afastada a hipótese de lhe mandar um murro nas fauces, lá argumentei que nos monitores e no cartão de embarque dizia que para as Flores era ali - porta 6... Não serviu de nada. Eu e os demais tivemos de esperar que embarcasse o pessoal dos outros vôos, por acaso com marcação de partida posterior à nossa, tudo em ambiente de inenarrável confusão. Os turistas, esses, lá iam fazendo cara de quem não se deixa apanhar noutra; felicidade deles, que podem. Contas feitas, o avião lá arrancou, comigo a bordo, por sorte, tudo com mais de hora e meia de atraso.

Depois de uns dias nas Flores, regresso a Ponta delgada, com a famelga e amigos. Viagem no dia 11 de Agosto, partida marcada para as 14.00 ou assim. Mais meia hora de atraso, de novo a total ausência de qualquer explicação. Entretanto, o embarque fizera-se a conta gontas, com toda a gente a passar pela maquineta dos raios X (ou lá o que é) e além disso a abrir os sacos para mostrar às meninas - para não falar de serem revistadas uma em cada três pessoas. Talvez a Al-Qaeda esteja a preparar ataques em Ponta Delgada, pensei eu a tentar justificar aquele fervor securitarista. Já agora: o calor/humidade eram de rachar, mas ar condicionado na aerogare népias, e depois de o pessoal passar para a sala de embarque, não há onde adquirir bebidas; quem quiser que vá aos lavabos (porquitos) e beba água da torneira; foi assim que se passou um largo e normal bocado e mais a meia hora de atraso, com os miúdos a protestar que tinham calor e sede.

Dois dias depois, nova partida com a famelga, desta feita para Lisboa. A novidade foi não haver novidade especial, fora o normal atraso (vinte minutos), de novo sem explicação alguma. À chegada a Lisboa, no tal aeroporto que segundo dizem já não chega para as necessidades, cinco dos oito tapetes de recolha de bagagem estão paradérrimos - não fazem falta. Dos três que funcionam, um é destinado à bagagem do nosso e de mais três vôos. Confusão inacreditável e uma hora de espera pelas malas. Viajei em executiva e a bagagem é nesse caso suposto ser prioritária. Como sempre, está bem longe de ser a primeira a sair... Bom, pensei eu, agora que passou este calvário, deixa lá ir levantar o carro de aluguer. Fui quase tomado de uma apoplexia ao chegar ao balcão da National. A fila era quilométrica e levantar o carrito custou mais duas horas.

Regresso a Ponta Delgada, em 20 de Agosto, partida agendada para as 19.00 h, ou assim. Entrega do carro na recolha dos automóveis de aluguer e deslocação da famelga toda e mais abundante bagagem para o check-in. Como já sabia que agora há terminal especial para as gentes das colónias, lá procurei a maneira de dar com o sítio. Sinais havia. Foi esperar por uma camioneta, meter para lá as malas todas, esperar um bocadão com o motor daquilo a trabalhar e um calor do corisco e pronto; chegada ao famoso terminal II. Um barracão, sem lugares para estacionamento cá fora. Lá dentro, um espaço aberto, com os balcões de check-in em fila e cadeiras manifestamente insuficientes para os viajantes (quartos de banho só na área de embarque!). Foi preciso esperar um bom pedaço que um funcionário se dignasse abrir o balcão destinado aos passageiros em executiva e que já devia estar aberto há um grande bocado. Cumprida a formalidade, ala para o lounge da executiva. Fica num primeiro andar manhoso e a tropa subiu toda pelas escadas, com a bagagem de mão, porque o elevador está só para enfeite - não funciona. O terminal é para os vôos "domésticos" mas os jornais disponíveis eram todos estrangeiros (portugueses, só os da bola); e já agora a menina de serviço adverte, simpática, que naquele lounge não fazem chamada! Os Srs. passageiros têm de ir espreitando para os monitores e ver a fila do portão pela janela... No dito terminal para coloniais não há, ao contrário do outro, qualquer espaço para fumadores. Quem tem o triste vício, saia do terminal, até à rua, e mate-o aí. Acontece em muito lado, está certo, mas no outro terminal há espaços para fumadores, e a diferença irrita-me fortemente. E mais me irrita que naquele pardieiro não haja uma loja decente, enquanto a malta das "low costs" e toda a restante seita, gente que paga tarifas em geral substancialmente mais baratas do que as satisfeitas pelos açorianos à SATA, tem acesso à "H. Stern", ao "Harrod's", à "Casa do Vinho do Porto" e a tudo o mais.

Voltando ao calvário, de novo passam as 19.00, as 19.30. as 20.00, e explicações, que é bom, nada; viste-las. Pelas 20.30, isto é, com hora e meia de atraso em relação à previsão de partida, lá começam a fazer o embarque e vão os passageiros da executiva, malas pela mão e sem elevador, escadas abaixo, até ao portão de embarque, onde se metem numa fila e entram depois num autocarro (já só com lugares em pé, cheio como lata de sardinhas) que os transporta até ao avião. Avião da SATA? Náaa. O avião era de uma companhia chamada "White", ou assim, à qual não adquiri bilhete nenhum. Afinal sempre vôo numa "low cost" e explicações nada. Durante a viagem, o bilhete em executiva deu-me acesso à mais repugnante refeição que já me foi servida a bordo de um avião (não consigo imaginar que peixe era - o aeromoço garantiu que era peixe - ou em que consistia a papa repelente que o acompanhava), sem possibilidade de escolha de bebida. O miúdo, cansado, queria deitar-se. Quando se pediu uma almofada ao aeromoço, este disse que não havia e meia hora depois lá veio trazer um cobertor dobrado. O avião não tinha sido limpo (aparentemente não o era há muito), nas costas do assento à minha frente havia pingos de vómito secos e o estofo era sebento, não havendo sequer uma protecção para o encosto de cabeça. Isso mesmo, viagem toda com os cabelos da nuca assentes no sebo que a poltrona trazia.

Pelo menos à chegada a Ponta Delgada as bagagens foram das primeiras a sair. No mais, é assim que a SATA, a ANA e o Governo tratam os indígenas das colónias, essa malta badalhoca que é preciso afastar dos turistas e das pessoas importantes do continente. Não se pode acabar com a SATA, ou pelo menos liberalizar de vez as ligações? E o que fazem os políticos regionais face ao modo grotesco e insultuoso como os açorianos e quem os visite foram atirados para as traseiras do aeroporto de Lisboa, para um galinheiro ranhoso? Nada. Nada de nada. Os do momento têm o seu pessoal na dita companhia; os outros esperam vez para lá porem o próprio. Os açorianos vão pagando, calados, e ainda lhes é dito (com dinheiros de empresas públicas) que a SATA é uma empresa regional e motivo de orgulho, e que o "o aeroporto de Lisboa agora é mais aeroporto - há um terminal novo para os vôos domésticos" - só pode ser bom...