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Às muitas críticas de vários tons que lhe foram dirigidas, JPP replicou, em nota à "postagem" do dito artigo no "Abrupto", que a generalidade (ou totalidade) dos críticos teriam comentado o citado livro sem sequer o lerem, e achariam isso normal, o que para ele é sinal patognomónico do acerto das suas próprias teses.
Será talvez desnecessário juntar a voz ao coro e lançar daqui mais catilinárias, até porque os temores milenaristas que subitamente tomaram JPP extinguem-se habitualmente por si mesmos e tanto mais depressa quanto menos se lhes ligar. A notoriedade do escriba, todavia, move-me a ajudar à festa.
JPP, por razões plrúrimas que seguramente incluem os seus muitos méritos intelectuais mas porventura também outras menos honrosas (recordo, com pouca exactidão, um dito de Miguel Torga, segundo o qual a pequenez da Pátria constrange tal emaranhado de laços que não há vontade de porteiro ou de ministro que se não vença...), é desde há anos personagem com lugar cativo nos púlpitos convencionais onde se produz a opinião lusitana. Tem megafone que adquiriu por usucapião e neste Portugal de opinantes encartados, de especialistas em generalidades e sabedores profundos de quase nada, foi mesmo dos mais lestos a alastrar as suas palpitantes opiniões ao espaço menos convencional da "blogoesfera", abrindo estabelecimento que subsiste ainda.
Constatado isto, dir-se-ia, com espírito cordato, que o mundo é de todos, que se só alguns atinam com os caminhos da publicação em jornais e revistas de larga tiragem ou mesmo na "tele-tele", já a net é acessível a qualquer, que ainda bem e cada qual por si e Deus por todos. JPP não considera assim, todavia. Para ele, o acesso massificado a tal meio de comunicação, permitindo a qualquer idiota que, pasme-se, «sem edição» (!), escreva o que lhe aprouver e alcance maior ou menor público, é receita que leva a nada menos do que a perigo de morte para a cultura ocidental...
JPP procura disfarçar o mais rísivel da sua argumentação sob uma camada de referências críticas a malfeitorias várias que a net e o contexto da sua utilização propiciam e até os mais néscios reconhecem; mas nem por nisso ter razão o argumento central fica menos tolo, e nem efectivamente escondida a parvoíce.
Penso conseguir convocar à imaginação quantos disparates semelhantes terão sido proferidos, com maior circunstância, mais à la longue e radical convencionalidade de meios (que eram outros os tempos) a propósito dessa maléfica invenção que foi a imprensa, com a qual a cultura ocidental foi posta de pernas para o ar. "Então agora qualquer leigo desqualificado publica livros, já não somos só nós nos mosteiros!? E nem são feitos em pergaminho! O que vai ser da ponderada reflexão que tem dado tão brilhantes resultados? E não há Sr. Abade que com paternal benevolência e maior sabedoria escrutine o que vai levar-se às mentes das pessoas? Não será a fé confundida? O mundo deve estar para acabar" - angustiadas reflexões que, com outras similares, terão ao tempo assaltado os antepassados intelectuais de JPP, tudo a respeito da invenção do Sr. Guttenberg.
Claro, JPP, ponderado e até magnânimo, lá concede que da net também venham porventura coisas boas e que o senhor que escreveu o tal livro é um tanto desbocado, inaugurante talvez de um filão editorial com contornos que no plano económico venham a ser paralelos aos do "Código Davinci". É o que se chama dar uma no cravo e outra na ferradura, mas em todo o caso com mais vigor nesta última, ou por outras palavras ver se a malta engole o disparate enquanto olha para as roupagens de juízo e sensatez em que vem embrulhado.
Mas não pega. Felizmente os cavalos não estão para isso e sentem logo o sapato mal calçado. JPP presume, e é talvez essa a explicação da assunção daquela sua posição, que furiosos a teclar, no lado de lá da net, há apenas hordas infindáveis de piratas, ladrões de direitos de autor, malfeitores sortidos e, de toda a maneira, grosseiros ignorantes empedernidos, cavernícolas com uma caneta na mão, amadores ignorantes e presumidos, determinados ao desmantelamento total da civilização. Está errado, o que lhe seria fácil perceber. Há de tudo, como na botica, e os que interessam detectam de imediato o significado último das suas (dele) angústias.
Como escreve um dos primeiros zurzidores, réptil alado, flamejante e sempre atento, obstinado escrutinador de ortodoxias desconchavadas, JPP revela nunca ter afinal abandonado totalmente o ambiente intelectual em que se criou, que lhe moldou o ser nas primícias da juventude, e ter ainda porção considerável do espírito na República Popular da China. Na verdade, até já louva uma alegada legislação italiana que, sem prévia e cabal identificação do usuário (como agora se diz), impedirá o acesso à net em cibercafés...
Talvez queira também instituir a necessidade de alvará, de uma espécie de carta de condução da net, a ser concedida mediante apresentação de atestado de robustez física e saúde psíquica impecáveis, seguida de frequência de escola especializada e subsequente exame, tudo sem prejuízo da dispensa de tais formalidades no caso dos profissionais em trinchar ideias. No fundo, lá bem no fundo, mas muito à vista, JPP nutre um desvelado carinho pelo seu papel de tutor da opinião, e teme pelo futuro da espécie se ele e os demais tutores deixarem de ter mão nisto. Onde irão as coisas parar se agora qualquer um escreve e pode ter algum público? Então esta gente opina e estrebucha no ciberespaço sem querer saber de nós, polícias de trânsito da cultura, sem nos ligar pevide?
É pena. Pensava que JPP, com quem tantas vezes concordo, estava em geral no campo de cá. Mas não, isto do liberalismo é coisa que só medra em terreno fértil. Lá dizia o Orador, «ou é do sal que não salga, ou é da terra que se não deixa salgar...», no caso parecendo-me bem que àquela terra nada a salgará - uma vez comuna, no fundo sempre comuna; bem pode afectar que a preocupação lhe é ditada por justa oposição aos deletérios "libertarismos", taxando como tal o que são para outros as mais fecundas liberdades, mas fica claro que estas é que lhe doem.
Tanto que perde o tino de vez e lança mão do tal argumento bacoco, segundo o qual os sicofantas da ignorância, criticando o livro sem sequer o lerem, lhe dão razão inteira! Ora, eu não li o livrito, mas JPP, tutelar, diz que sim, que leu, e fez o favor de nos resumir a todos a sua ideia central, que de resto largamente acompanha. Pois bem, uso o que resta da credibilidade que lhe atribuo ainda e com ela admito que o resumo é fiel; segue daí declarar que não gosto da ideia, posto que em boa verdade correctamente transmitida, nem da do JPP, que se lhe pegou; e é esta que critico; o maço de folhas, se com ele topar em alguma curva da vida, já o não vou ler, que não há tempo para tudo; mais lógica não me parece poder ser a coisa; e escrevo tudo isto, felizmente sem ter de solicitar, ao JPP ou a outrem, nihil obstat ou imprimatur, a mais disto tudo lembrando ainda que mal à cultura vem sim, e muito, do facto de pessoas letradas e aparentemente até sábias escreverem coisas como «(...) nem por isso, nada nos garante que (...)». Não se maltrata assim a língua de Camões, que nenhuma culpa tem nesta polémica.
7 comentários:
Nem mais. JPP já nos habituou a isto. Que tese absurda.
Belo artigo Kzar. :)
Excelente.
Excelente texto companheiro. A mim ocorre-me pelo neur�nio apenas o seguinte: uma vez maoista, sempre maoista.
O Kzar no seu melhor
Obrigado, pás, obrigado! Estou comovido.
Obrigado, pás, obrigado! Estou comovido.
Mas não tão comovido assim; foi só por erro que apareceu o comentário por duas vezes.
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