Cícero, denunciando Catilina no Senado

Cícero, denunciando Catilina no Senado

19 dezembro, 2007

Terrorismo...

Isto é que é terrorismo, acho eu, e parece que aconteceu num posto da PJ no Algarve. Bem escusavam de ir ao Porto prender terroristas quando já os têm na esquadra...

Terrorismo, nem mais. Depois de larga temporada em que deixaram uma horda de facínoras campear pelas zonas de diversão nocturna da Invicta, as autoridades policiais e o MP tomaram-se de brios, acicatados como de costume pela gritaria mediática e vai daí trataram de fazer alguma coisa - e quando digo alguma coisa, é mesmo qualquer coisa, não importa o quê.

A um certo nível, os comportamentos sociais das pessoas são como os de outros quaisquer animais: se um território está vago, uma matilha ocupa-o fácil e naturalmente. Neste particular, o porteiro de discoteca é muito representativo. Uma espécie de hiena. Caso não haja leões bastantes, toma conta da savana. E foi isso o que se passou nas xicotecas e cabarés do Porto. A míngua de bófia que vigie e ponha cobro a desmandos, ou preferencialmente os desmotive, levou a que uma tropa de gangsters matulões andasse por ali como cães por vinha vindimada. Fizeram o que queriam por longo tempo e, quando a guerrinha dos territórios de extorsão e outras malfeitorias lucrativas aqueceu, começaram a limpar-se uns aos outros, à força de bala.

Pela minha parte, acho muito bem. A espécie dos porteiros de xicoteca, mais ou menos mafiosos, só me implica com os nervos quando começa a malhar em clientes, bêbados ou não, o que aliás é frequente e sucede com relativa impunidade. Já quando largam a matar-se uns aos outros, e aos proprietários que lhes pagam, não consigo impedir-me de sentir uma certa satisfação higiénica. Porém, concedo em que isso não fica bem nem é coisa que deva admitir-se num país proto-civilizado como o nosso, razão pela qual estimo ser legítimo que a boa burguesia se indigne e a imprensa exija "medidas".

Pois foi o que as autoridades deram: medidas. Num Domingo pela manhã, a PJ foi a correr prender uns malandros e fazer-lhes buscas nos domicílios, obviamente acompanhada pelas televisões, que filmaram tudo. Devem ter sido os advogados dos malandros que violaram o segredo de justiça... Na terça-feira seguinte (dá a ideia de que às Segundas a PJ não trabalha - ou que esteve à espera da nova starlette do MP vinda da capital...), os indigitados meliantes lá foram apresentados a juiz, como cumpre. Crimes imputados: sortidos, como habitualmente, mas entre eles lá vinha o de terrorismo. À falta de membros da Al Qaeda a que deitem a mão, a PJ e o MP fazem up grade a uns gangsters da Invicta e mostram que também entraram na modernidade do "combate global".

A juiz, malandra, é que não quis saber de modernices. Dos onze presuntivos bandidos que lhe mostraram, após falar com eles e com respectivos advogados e examinar as provas que a existirem lhe terão de ter sido apresentadas, tudo como cumpre, pôs logo sete cá para fora, com o simples e obrigatório TIR, o que logo sugere que ou não viu prova de coisa nenhuma quanto a esses tipos, ou lá achou que não ofereciam perigo de actividade criminosa, nem de atrapalharem a investigação e nem ainda de se porem a milhas. Fracos "terroristas" estes. Os restantes, talvez mais assustadores, ficaram em prisão preventiva, mas de terrorismo entretanto deixou de falar-se.

O que já parece não haver meio de calar é a sarilhada da PJ que faz o que quer ("agiu" à pressa e antes que o procurador mor, da Capital, mandasse a tal starlette e mais comandita), sem a mais ténue réstia de aparência de que o MP ainda a controle; das baronesas, marqueses e duques do MP que desataram à lambada por terem sido preteridos no lançamento para o estrelato; enfim, do procurador mor que entendeu necessário enviar uma procuradora sua núncia de Lisboa ao Porto sem que se perceba se nesta última cidade não os há (procuradores) em condições.

Portugal é assim e com efeito é um terror. Vou espairecer pelo Natal e só volto no começo de Janeiro.

16 dezembro, 2007

Enigma, ou a tal rúbrica orçamental

Diz a revista Visão, de 13/12/2007, que o Ministério da Educação acaba de contratar João Pedroso, irmão do ex-deputado Paulo Pedroso (aquele que como arguido do caso Casa Pia, depois de sair da cadeia por suspeita de crimes de abuso sexual de crianças, foi recebido em apoteose na Assembleia da República) para, a troco de uns singelos 20 000,00 € por mês, fazer um trabalho de levantamento e compilação da legislação produzida pelo Ministério da Educação. Até parece que o dito Ministério não tem umas centenas de juristas capazes, cada um deles, de fazer o mesmo trabalho a custo zero! Se assim é (o que parece indesmentível), o que justificará esta contratação?



07 dezembro, 2007

Liberais, procuram-se!

O liberalismo tem várias tendências, é certo. As correntes teóricas do liberalismo parecem não inspirar as correntes políticas "liberais" que conquistaram proeminência no nosso país. A confluência entre as duas correntes escasseia, não existe uma complementaridade salutar entre a elaboração teórica e o debate público. Sempre que ouço falar em liberais portugueses fico com a sensação de que estes nossos compatriotas: 1) desconhecem por completo as correntes do liberalismo ou 2) usam-nas como camuflagens de um conservadorismo enfadonho. Refiro-me, evidentemente, aos debates que têm agitado a blogosfera portuguesa aqui e aqui.
Qualificação: alguns, a meu ver, conhecem o liberalismo contemporâneo. A maioria, contudo, não conhece.

06 dezembro, 2007

Una victória de mierda...



O Sr. Chavez soma e segue. Quando vejo a criatura na televisão não consigo deixar de me lembrar, sempre, das aventuras do Tintin. Todas aquelas em que intervêm o Coronel Tapioca e o General Alcazar e em particular o excelente "Tintin e os Pícaros", com as aventuras do jovem repórter, do Capitão Haddock e do Milu em Las Dopicos (penso que é assim). Só que com menos piada, claro, que aquilo é a sério.

Quem gosta ainda mais do que eu é o camarada Boaventura. BSS não perde uma oportunidade de meter a pata na poça e recentemente lá veio em defesa do porcino "Napoleão" tropical. O dislate pós-moderno em paragens sul americanas é a especialidade do nosso intrépido professor nas horas vagas e estrela habitual do folclórico "fórum" de Porto Alegre. O homem não descuida o seu mercado e recentemente lá veio em defesa do labrego psicopata da Venezuela e seus delírios socialistóides, contra esse malandro fascista-imperialista-capitalista do Rei de Espanha; Sua Majestade desagradou ao BSS. Estou à espera de ver como se porta agora este ser, mas desconfio que não haverá surpresas.

05 dezembro, 2007

Continhas 2

O Sr. Costa agora quer um empréstimo de 500 milhões para a câmara de Lisboa. Os Srs. do PSD, que antes parece que também queriam, agora dizem que não o deixam pedir tanto; "só" autorizam 400 milhões, pois são gente que não vai em desmandos despesistas. O Sr. Costa diz que assim não brinca, coisa e tal, mas lá acabará por pedir emprestados 400 milhões, ou o que os outros deixarem e se calhar a coisa acaba em todos pedirem é 600 milhões. Tudo a bem da Nação, digo, da cidade, pois claro, que os Srs. lisboetas é que sofrem muito se o empréstimo não for pedido, e os Srs. lisboetas é que não podem sofrer coisa nenhuma.

Um cidadão vê e ouve estas coisas e fica estarrecido. Sempre que pensa que o país bateu no fundo, esta tropa de políticos aldrabões bate novos recordes de baixeza. Então a câmara está muito endividadazita, coitadinha, e vai daí pede-se mais uma pipa de massa emprestada?! Então o governo que o Sr. Costa ainda há pouco integrava, em lugar preponderante, não é o mesmo que andou a impedir uma série de munícipios de se endividarem mais? Não é o mesmo que se gabou de fechar a torneira ao grande malandro da Madeira? Não é o que nos diz que os impostos têm de aumentar e os salários ser congelados, ou quando muito levarem agora aumentos inferiores à inflação? Não é o mesmo que fecha escolas, maternidades e centros de saúde por esse país fora, em nome da contenção da despesa?

E onde estão agora esses senhores do governo? Porque não vemos e ouvimos o Sr. Pinto de Sousa e o seu acólito das finanças a rasgarem as vestes e a gritarem contra o despautério? Está tudo maluco? O povo não se revolta contra semelhante roubo? A "opinião pública", isto é, a matilha servil da imprensa, não vocifera coisíssima nenhuma contra isto? Niguém pergunta quantas décimas de deficit são 400 ou 500 milhões de óros?

A câmara está com dívidas até ao pescoço? Pois quem as constituiu foram os senhores em quem os lisboetas há anos e anos votam, alternadamente - os Srs. lisboetas, portanto, são quem tem a culpa última. O Munícipio tem património penhorável (e muito); os credores que lho penhorem. Se se esgotar e ainda houver dívida por pagar, o Estado que intervenha - e a seita de bandidos que tem andado pela câmara que seja ao menos politicamente responsável pelo que suceder.

Pedirem-se empréstimos de centenas de milhões é coisa que gera vómitos incontidos em qualquer pessoa de bem. Mas estas são cada vez menos e os senhores da quadrilha que temos por governo garantidamente não integram esse escasso lote.

E já agora, o que acham de tudo isto os Srs. do "bloco" e em especial o camarada Sá Fernandes? Gastaram a "pica" toda a atrapalhar a construção do túnel? Ou, mais prosaicamente, também lhes vai cheirar algum e não querem muito aperto na câmara onde agora também metem boys dos seus? Portugal está a acabar, é o que vos digo...

Peixinhos

Dia 01/12/2007. Algures a Sul da ilha de São Miguel. Dois pescadores, três quartos de hora de pesca. Os lírios têm entre 1,5 kg e 3,5 kg. Duas garoupas juntaram-se à festa, a maior com 0,75 kg. A técnica foi a da zagaia. Por desgraça nesse dia não fui com os artistas. Deu-me para ir mergulhar, a água estava turvíssima e não cacei nada de jeito. Fiquei-me a roer de inveja, mas para a semana vingo-me.

04 dezembro, 2007

O que ando a ler

Costumam os bloguistas escrever sobre os livros que estão a ler, o que já aconteceu, para não perdermos o carrinho, neste estaminé.
Por vezes é feito para dar a conhecer quem escreve no blogue, quais as suas amizades e inimizades, quais os seus interesse e os seus desamores.
Mas geralmente é feito por vaidade, por vontade de mostrar ou de dar a entender a sua inteligência e a sua cultura.
Ora, eu, que não devo nada nem a uma nem a outra (sou homem para nunca ficar a dever), também não resisto. Assim, e sem mais explicações, vou-vos dizer o que ando a ler.

Esta pequena biografia do Che qualquer coisa (agora esqueço-me do nome), de Jon Lee Anderson; pequena, enfim (800 páginas). Estou a gostar quanto mais não seja porque estou a conhecer assuntos que só vagamente e parcialmente conhecia. Tem alguns retratos dos barbudos, inclusive do biografado morto. Não gostando do ideal do Che e do ..., do outro (qual é o nome dele?), tenho de admitir que é duro um tipo ser assassinado e, depois, mostrado como prova da vitória. Isto passa-se todos os anos, em todos os regimes.





Outro livro é este sobre a história do snooker e do pool em geral.
Embora não seja estupidamente antigo, este jogo é bem velho, embora, claro, bem diferente do que hoje se joga. Terá começado, pelo menos, desde finais do séc. XVI (já com o nome billiards) e de então para cá tem vindo a conquistar. É um jogo (qualquer das suas modalidades) sereno, com apostadores mas sem hooligans, os árbitros são acatados (!) e, mesmo que verde, jogam por cima de um pano e não de uma relva mal amanhada.
Entre as diversas modalidades, destaco o snooker inglês. É um jogo de bastante habilidade, de paciência até se construir uma jogada boa e de um grau de dificuldade (até por causa das penalidades) bastante elevado.
Mas este é livro para se ir lendo e para ir vendo as fotografias.

Já que estou a ler o Che, estou a ler paralelamente a bigrafia do Fidel Castro (é este o nome que me faltava há pedaço!) de Tad Szulc. São 600 e tal páginas mas com um tipo de letra bem pequeno o que me atormenta a vista e me obriga a ler com muito mais atenção. Eles eram um para o outro e eu não sou para nenhum. Mas se um livro existe é para ser lido.
Enquanto o livro sobre o Che me dá uma imagem da sua vida até conhecer, no México, Fidel, este dá-me a imagem de Cuba ao longo da vida do biografado. Não me faz mal ficar a saber estas coisas.
Como disse, se um livro existe é para ser lido.

Por último, e para não maçar, estou a ler este livro que é daqueles que não é preciso ler de uma vez só e da primeira página até à última. Leio quando bem quero e o que quero.
É, talvez, dos livros mais completos que já li sobre os Beatles (e já li para cima de uns quantos). Mais do que uma biografia dos Beatles (como a de Allan Kozinn ou mesmo a de Hunter Davies), é um conjunto de depoimentos de pessoas que os conheceram de perto em certa altura das suas vidas. Contam coisas conhecidas e coisas curiosas ou emocionadas pela amizade. Astrid Kirchherr escreve no livro, por exemplo; fiquei a saber que existe um disco dos Beatles em que está lá fotografado um que não é Beatle (não! não é o Sgt. Pepper!), etc..

Enfim; não falo dos livros do meu trabalho porque são muitos chatos (muitas fotografias e desenhos e diagramas e essas coisas todas).
Já repararam que todos estes livros são em inglês?
Não sou inteligente nem culto mas sei ler inglês! Ou pensavam que não?

29 novembro, 2007

Mulherio


Foi inaugurado em São João da Madeira, há cerca de um mês, um novo Centro Comercial com lugares privativos para as mulheres, pintados a cor-de-rosa, junto às entradas directas para o CC e – imagine-se – mais espaçosos do que os reservados para os deficientes. Aceitam-se explicações para esta discriminação positiva da trupe feminil. Aqui vão algumas hipóteses:
1 – A pintura cor-de-rosa destina-se:
a) A avisar a malta de que é preciso manter distância do mulherio quando este se encontra ao volante;
b) A chamar a atenção ao mulherio que este se deve abalroar apenas naquele espaço e entre si, deixando é paz e sossego o resto da malta;
2 – O espaço mais generoso serve:
a) Para evitar que o mulherio se abalroe reciprocamente;
b) Para proporcionar uma mais fácil entrada e saída das viaturas:
b1) com base na evidência empírica de que o mulherio gasta mais em compras;
b2) por banda das grávidas;
3 – A maior proximidade das entradas directas para o CC serve para ficarem mais perto do local onde se compra e onde se gasta a bagalhoça

28 novembro, 2007

Mugabe


Já se sabe, vamos ter Mugabe em Lisboa. Agora é só esperar para assistir às agonias do nosso Amado e às manifestações anti-racistas dos jovens do Bloco.

Opinião de Soares Martinez n'O Diabo, ontem





«AS PERSEGUIÇÕES AO PRESTÍGIO E AO MÉRITO
1 - Os grupos sociais visados
Está-se assistindo ultimamente em Portugal, e nalguns outros países, a sistemáticas perseguições aos grupos sociais de maior prestígio, sendo certo que tal prestígio assenta, e sempre assentou, em méritos geralmente reconhecidos, de conquista remota mas continuada no tempo. Porquanto, sem tal continuidade, muito rapidamente o prestígio se perde. O primeiro grupo social especialmente visado foi o dos militares profissionais, logo seguido, por fases, em termos de relativa prudência, por forma a não alarmar muitos simultaneamente, dos correspondentes às forças policiais, ao magistério, de todos os graus, aos magistrados judiciais, aos corpos clínicos e aos diplomatas. É de admitir que as perseguições referidas não fiquem por aí, acabando por atingir outros grupos mais, entre aqueles aos quais as comunidades mais devem, pelo relevo dos serviços prestados, quase sempre remunerados em termos insuficientes.
(...)
6 - A perseguição aos magistrados judiciais
As magistraturas judiciais sempre constituíram peças fundamentais na defesa das liberdades e da justiça. Contra as pretensões sem fundamento bastante dos poderosos. Sem excepção dos monarcas ditos soberanos, contra cujos interesses frequentemente, no passado, os tribunais julgaram pleitos. Compreende-se, pois, que as tendências totalitárias, sempre compatíveis com os regimes parlamentares e com as plutocracias mercantis, se tenham mostrado avessas à indispensável independência dos tribunais e das suas magistraturas. Mas, sendo indiscutível e justificado o seu prestígio, tem-se julgado que essa independência poderá ser abalada por meio de demagógicas campanhas de descrédito. Foi essa a arma à qual já se recorreu nos Estados Unidos no início da década de 30. Criada a convicção, através da «opinião que se publica», do mau funcionamento dos tribunais e dos seus magistrados, pode abrir-se a via adequada a submissões, a cerceamentos de poderes, ou a substituições de competências. Por isso, é preocupante a forma pela qual ultimamente, em Portugal, se nos deparam referências a uma crise da justiça que seria atribuível ao funcionamento dos tribunais e à conduta da gente do foro, com particulares responsabilidades para os magistrados. Ora a actual crise da justiça não deverá, em termos de razoabilidade, ser atribuída aos tribunais e aos que neles servem. Provem, sobretudo, do presente caos legislativo, da fúria demolidora dos legisladores, que nem sequer costuma respeitar as regras elementares da gramática. Para essa crise contribui também, acentuadamente, o estado de espírito das populações, que a agitação política e o estilo corrente usado pelos órgãos da comunicação social têm situado em climas de permanente tensão, reivindicativos e inconformistas. Assim, não são os tribunais os fautores da crise da justiça, mas sim vítimas dela. E os magistrados judiciais, não obstante e algumas falhas de preparação, atribuíveis a más reformas legislativas que não lhes são imputáveis, continuam, como corpo profissional de muitas qualidades, a merecer o prestígio que por tradição receberam. Não se justifica, relativamente a eles, nem a dependência de órgãos que não sejam próprios, puramente institucionais, nem o cerceamento dos razoáveis períodos de suspensão de actividades, injustamente qualificados como manifestações de privilégios mas que sempre foram estabelecidos no interesse dos povos e para bom desempenho de funções por parte dos magistrados mais diligentes (...)»

Continhas...

Parece que a coisa interessa pouco. Ontem foi referida no noticiário da meia noite da SIC Notícias, depois das intermináveis reportagens da bola, dos acidentes de viação e assuntos que tais.
Ao fim de anos e anos, um governo de Portugal lá tratou de vender a barragem de Cahora Bassa a Moçambique. O preço ajustado com o Estado moçambicano representa cerca de 10% do valor que o Estado português ao longo dos anos enterrou na dita barragem, mas vá lá, antes isso do que continuar a enterrar lá dinheiro - pelo menos alguma coisa se recuperava.
O preço combinado foi de 950 milhões de dólares, a pagar em duas "tranches", mas, e aqui é que é preciso atenção, o nosso querido governo, esses senhores que destilam competência e nos espremem até ao tutano em nome da contenção da despesa (que não é feita) e da necessidade de recita pública (que não pára de crescer à custa do famélico contribuinte), esqueceram-se, ouçam bem, esqueceram-se, ou não lhes pareceu relevante a questão, de prevenir a variação do dólar face ao euro; tal matéria não terá sequer sido focada nas negociações.
Resultado: com o dólar a cair a pique há meses, os moçambicanos pagaram, em dólares claro, que foi o combinado, e a República perdeu (além do que já não esperava de modo nenhum recuperar...) mais cerca de 160 milhões de euros!
A notícia foi dada lá para o fim do telejornal e não parece que haja ou vá haver escândalo. O assunto não tem relevo jornalístico e ninguém pede demissões de ministros só por errozitos como este.

26 novembro, 2007

Bem prega Frei Tomás

REFORMA PENAL
«No processo de decisão devem participar representantes de todas as profissões forenses, juízes, magistrados do MºPº, advogados, professores das principais universidades de direito e representantes dos partidos com assento parlamentar na A.R. Não se pode esperar que uma reforma levada a cabo por um conjunto reduzido de pessoas por mais competentes que sejam, respondam às necessidades de mudança. Em vez do “véu da ignorância” de Rawls temos a acção comunicativa de Habermas, com vários agentes a intervirem com fundamento nas respectivas experiências que poderá permitir uma reforma positiva. Para a empreender não se aconselha pressa. Recomenda-se isso sim uma grande comissão que inicie já um trabalho porventura moroso, que prepare o direito penal para os grandes desafios do novo século. Modificações precipitadas podem agravar, em vez de resolver os defeitos detectados, dado que alguns dos processos que desencadearam o movimento reformista estão ainda em curso deve-se aguardar pelo seu desfecho para não se mudar a meio as regras do jogo»
Rui Pereira
Boletim da Ordem dos Advogados, 2003.

14 novembro, 2007

Livro perigoso

Cuidado: ele está muito espalhado por aí.

12 novembro, 2007

What's left?

É fácil saber contra o que luta a Esquerda – os males de Bush e das multinacionais – mas o quê e quem em concreto contesta afinal? À medida que enumera os absurdos da Esquerda, Nick Cohen pede-nos que reconsideremos o que significa ser de Esquerda nestes tempos turvos e confusos. Com a sátira irada de Jonathan Swift, ele reclama o regresso dos valores da democracia e da solidariedade que uniram um movimento que lutou contra o fascimo, e pergunta: o que resta afinal da Esquerda?
ISBN: 978-989-622-104-1

Formato: 130x220mm

N.º de páginas: 396I

mpressão/cor: 1/1

Capa: Brochada (nunca soube bem o que é isto de capa brochada...)

Preço: 18,00€



A Aletheia é uma belíssima editora; nos últimos tempos, trouxe uma lufada de ar fresco ao miasmático panorama da edição portuguesa, infectado por códigos da Vinci, Josés Eduardos dos Santos, Sousas Tavares, filhas do Solnado que falam com Jesus e outras baboseiras ainda piores, tudo a jorrar incessantemente pelos escaparates das livrarias.


Desta feita, a casa da Sr.ª Zita Seabra (quem diria...) brinda-nos com um dos melhores livros dos últimos anos - pessoalmente, o melhor que li de há um ano para cá, e não foram poucos... No Sábado 10/11/2007, às 11.00 h, larguei pelo meu exemplar os 18 óritos anunciados, na livraria do centro comercial Solmar; no Domingo, 11/11/2007, pelo meio da tarde, já tinha marchado todo - a coisa é de leitura absolutamente compulsiva e no fim fica uma sensação de tristeza por ter acabado.


Com um discurso fluente, claro e entremeado de referências muito bem humoradas, o autor (não imagino de onde veio o bicho, mas Deus lhe pague) põe a nu o estado deplorável a que a esquerda se reduziu nos últimos anos, em particular após o 11 de Setembro e com agravamento significativo na sequência da invasão do Iraque.


Quem porventura imagine que o cartapácio condensa as diatribes de algum empedernido neo con contra o estrebuchante militantismo, oco e saloio, da esquerda ideologicamente orfã, desengane-se. O escriba declara desde o início, e demonstra ao longo da obra, que não morre de amores pelo W. Bush e nem sequer pelo Tony dos ingleses, pelo contrário sendo um filho cultural da esquerda liberal inglesa. Mas isso não significa, algo paradoxalmente, que seja estúpido. Nada disso.


Pelo contrário, usando argumentação que considero ser quase sempre pouco menos que irrefutável (ao menos por quem tenha vergonha na cara e honestidade intelectual, bem entendido), explica, com larga cópia de exemplos e detalhes histórico-sociais muito bem observados, como do alto da sua suposta e sempre auto proclamada superioridade moral, e indisponível para activamente limpar os seus armários dos muitos esqueletos que por lá foi deixando ou até mesmo disposta a fingir que lá não estão, a esquerda se tornou gradual mas rapidamente numa desconchavada rede de ligações e solidariedades informais acerca do disparate; na força motriz da anomia social contemporânea; no aliado objectivo e de todas as horas das piores tiranias que continuam a afligir a humanidade; em suma, traidora das liberdades universais que todavia continua pateticamente a proclamar serem os seus valores matriciais. Tudo em nome da oposição à América, a Israel, ao capitalismo global, "what ever", malefícios brandidos como justificadores de qualquer vilania ou cambalhota de argumentação política.


É difícil (impossível, em minha opinião) não concordar com o autor numa série de apreciações que faz e a menos relevante não é a de que o ideário de esquerda (se disso se pode falar ainda) resvalou em muitos aspectos para patamares de sordidez que incluem o racismo, por regra na modalidade mais abjectamente paternalista, mas de uma hostilidade ferocicíssima quando apresentada na sua preponderante modalidade de atávico anti-semitismo.


Mais significativo contudo, para mim, é o modo como o autor identifica limpidamente uma atitude generalizada da intelectualidade de esquerda e na qual também eu há muito matutava sem lograr expô-la com clareza. É a atitude "família feliz", a saber, a de não levantar demasiadas ondas ou críticas relativamente aos desmandos das suas franjas radicais, pela razão de afinal os respectivos agentes até serem "dos deles" e porventura "bem intencionados"... Atitude que, além de desmotivar a higiene dos armários, com o tempo levou a que a generalidade dos representantes da esquerda liberal, supostamente moderados e sensatos, viessem a assumir como suas, ainda que disfarçadas, proposições vomitadas pelos ditos extremos.


A ponto de tristemente ter de concluir-se que em geral a esquerda ainda dita democrática tem como figuras culturais de proa seres invertebrados que, de transigência em transigência, se tornaram incapazes de denunciar os piores males e tiranias da actualidade e os legitimam com silêncios cúmplices ou suavidades exculpatórias. E isto no melhor dos casos, porque no pior são pessoas verdadeiramente mal intencionadas que defendem qualquer malefício ou barbárie desde que adequadamente "anti-americana" ou no global.


Os primeiros são os legítimos herdeiros dos famosos "idiotas úteis" de antanho; os seus antecessores eram compagnons de route da selvajaria leninista e seus avatares e eles assumem actualmente um papel absolutamente paralelo em relação aos Mugabes, Castros e Chavez que afligem a existência da humanidade, isto já nem falando dos extremos a que se prestam quando o que está em causa é a legitimar atrocidades fundamentalistas desde que islâmicas e "anti-americanas"; denunciar, e com as letras todas, mas só os que não sejam da esquerda e sejam "ocidentalizados". Os segundos não merecem sequer piedade e são no fundo mais um dos muitos rostos da Besta. O que os move a quererem a desgraça humana é um retorcido e patológico sentimento de vingança pela falência irreversível da ideologia assassina do homem novo e dos amanhãs que cantam, que em vez de lhes deixar herança lhes deixou compridas orelhas de burro.


É um facto sublinhado pelo autor e que eu me vejo forçado a reconhecer que na verdade o final do sec. XIX e o sec. XX foram a muítos títulos de afirmação moral da esquerda, a qual construiu vantagem ideológica global ao tomar a dianteira na defesa ou conquista de liberdades e direitos hoje tidos por adquiridos. Todavia, a cultura de esquerda não quis aceitar também o passivo desse património e tomou o activo, a dita vantagem, como uma espécie de alvará para todos os desmandos, o pior dos quais terá sido justamente o de justificar os meios com a alegada bondade dos fins, não se demarcando dos seus muitos maus e homicidas irmãos, filhos ou primos. A pretexto de lavar a roupa suja apenas em casa, a esquerda liberal ficou refém dessa camarilha, que acabou por lhe marcar a agenda e da qual já raramente se distingue; esfumou-se enquanto interlocutor credível, para o que tudo contribuiu decisivamente o repugnante relativismo pós-moderno que tem voluntária e contumazmente sido seu timbre.


Não teria sido necessariamente assim. O grande George Orwell pôs muito cedo a boca no trombone, depois de ir para Espanha combater o franquismo e dar por si a ter de fugir do comunismo estalinista para salvar a pele (coisa que muitos não conseguiram...). Botar a boca no trombone (e fê-lo como ninguém) custou-lhe ser ostracizado e caluniado sistematicamente pela esquerda bem pensante, apostada em manter, contra tudo e contra todos, a mentira já então esfarrapadíssima do "Sol da Terra" soviético. Os exemplos podiam multiplicar-se ad nauseam, mas não vale a pena. Basta a consideração, que sem ironia digo não ser de júbilo, de que ao ritmo actual a mera viabilidade de uma esquerda verdadeiramente liberal e credível vai perder-se, irremediabvelmente e em muito pouco tempo.


Acabo dizendo somente que um certo tom de brutalidade vai aqui emprestado por mim próprio, que sempre julgo não martelar suficientemente a esquerda. O autor é muito mais comedido - mas em rigor, e por isso, deixa a esquerda bastante pior tratada do que modestamente eu seria alguma vez capaz de fazer. O livro é imperdível, um must para quem queira abordar o actual debate político-ideológico com alguma seriedade moral e sanidade.

11 novembro, 2007

Noite de Óscares na ILGA

“Francisco Pinto Balsemão foi distinguido com o prémio Arco-Íris, que visa reconhecer pessoas ou instituições que contribuem para uma maior igualdade de direitos das pessoas com orientação sexual não heterossexual. O director da SIC Notícias, Ricardo Costa, recebeu o prémio atribuído a Francisco Pinto Balsemão por ter concedido licença de casamento a um funcionário homossexual.
Elza Pais, presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, também foi distinguida, por utilizar as expressões gay e lésbica no discurso político, palavras que segundo a associação nunca foram pronunciadas por exemplo pelo primeiro-ministro ou pelo Presidente da República (…)” (destaque adicionado).

07 novembro, 2007

PSD - Açores










Entre outros afazeres estou também a ouvir o «debate» radiofónico entre os dois candidatos a líder regional do psd. Que tédio. A falta de clareza, de propostas, de diferenças e de entusiasmo evidencia a falta de projecto de ambos. E isso, sendo evidente, como é (infelizmente), é fatal. Ainda não é desta.
Mas onde está a nova geração? Também vai perder por falta de comparência. Que tristeza.

04 novembro, 2007

Frieza


O homemda direita chamava-se Rudolf Hoess. Foi comandante do campo de Auschwitz entre 1940 e 1943. De acordo com o seu próprio ponto de vista, foi um bom oficial das SS, vigilante e cumpridor. Foi enforcado em 1947 sem nunca se ter arrependido do que dirigiu e ajudou a edificar, sabendo, claro, muito bem o que estava a fazer.
Ordens são ordens mas há ocasiões em que as coisas não têm que ser assim.
Hoess, entre outros, demonstrou que essas ocasiões não têm lugar quando existe uma determinação do Estado que obriga a execução de tudo o que seja necessário para os objectivos que o mesmo Estado tem em mente.
O que se passou na Alemanha foi que o Estado assumiu desde início (1933) determinados objectivos rácicos e, paralelamente, económicos. E não nos podemos esquecer que foi um Estado que quis isso. Quero dizer, não se tratou de uma política que a sociedade civil tivesse pedido, pelo menos expressamente, para executar. A sociedade civil aderiu passivamente (mas, tembém, eram descendentes dos bárbaros de 476) sem grande possibilidade de escolha.
O resto é conhecido.
O que interessa frisar é que este funcionário do III Reich nunca percebeu que agia muito mal e, se porventura o pensou, nunca decidiu mudar de caminho; o que importa frisar bastante é que isto foi uma política de Estado.
Estou-me mais ou menos nas tintas para os anti-semitas; não quero é que eles cheguem ao poder.
Não sou judeu mas não sei o que serei amanhã ou o que me chamarão amanhã.

02 novembro, 2007

De que vos queixais?


Conforme estava previsto a Assembleia Legislativa Regional dos Açores aprovou na passada quarta-feira a proposta do novo Estatuto Político Administrativo, merecendo destaque o facto de o ter feito por unanimidade. Cabe agora à Assembleia da República torná-lo em Lei, para que vigore até nova revisão. O facto é, a vários títulos, merecedor de realce. Seja porque se trata de um texto ambicioso, mesmo arrojado nalgumas soluções, seja ainda porque realmente ele pode ser (tem os ingredientes para poder ser) o embrião de uma constituição política futura, no quadro de uma reorganização da República.
Mas não há bela sem senão. Há deputados que ainda se não convenceram que a Constituição da República é um quadro normativo, composto por regras jurídicas, harmónicas, integradas num texto claro. O que ela seguramente não é, nem pode ser, é um repositório de intenções e promessas, expressas ou negociadas em reuniões partidárias, ainda que ocorridas numa sala da capital do país. Olvidam ou escamoteiam, que é na Assembleia da República que se criam, se discutem e se votam as regras que sustentam o edifício constitucional. E se há alguém que se vem enganando constantemente, são eles mesmos.
Mais uma vez, em dia que devia ser de regozijo, alguns tribunos referiram-se a uma pretensa jurisprudência restritiva que lhes vem tolhendo o ímpeto. Pensarão que quem os ouve não sabe suficientemente das coisas para que se possa rir deles. E ignoram olimpicamente a figura que fazem.
Ao invés dos lamentos e lamúrias, melhora fariam se redobrassem esforços para se tornarem mais diligentes, mais inteligentes e mais competentes, como políticos (para convencerem os seus correligionários em Lisboa) e como legisladores (para proporem, discutirem e fiscalizarem o conteúdo das normas concretas a integrar no texto constitucional). Só assim serão dignos do nosso respeito.

31 outubro, 2007

Coisas sérias


Mas grave, mesmo grave, é o facto de o Dragão não lançar qualquer labareda há já duas semanas.

O "1884"

Acabei de ouvir esta tirada erudita do Presidente do Conselho Superio da Magistratura numa audição paralamentar sobre a questão da escutaria:

"As escutas vieram para ficar. Já estavam previstas em 1884 ... do Orwell".

30 outubro, 2007

Uma mente brilhante



A Sr.ª Maria de Lurdes Rodrigues, deseducada ministra da deseducação deste país, a tal que diz que as sentenças dos tribunais dos Açores não valem “em Portugal”, propõe agora, em nome de uma "escola inclusiva", a medida que porá um fim peremptório ao absentismo escolar: substitui-se o absentismo por provas de recuperação! O menino falta uma vez, duas vezes, três vezes, falta sempre? Está tramado! A Sr.ª Rodrigues não o declara chumbado! Isso é o que ele queria! É preciso fazê-lo sofrer! Para isso, a Sr.ª. ministra prodigaliza-lhe uma e até duas “provas de recuperação”! Não se sabe ainda muito bem (diz que depende de regulamentação) o que sucederá se o relapso chumbar as duas provas de recuperação, é dizer, se for um "irrecuperável" (que é sempre menos estigmatizante e mais inclusivo do que ser um faltoso contumaz). Mas é bem possível que agora os alunos deixem de estar “tapados por faltas” e passem a estar “tapados por provas”.
A inteligência fulgurante desta dona de casa feita ministra deixa-me desorientado.

A ponta da vigarice


Ricardo Rodrigues assume-se como «pai afectivo» do acrescento ao nº 3 do artigo 30.º do Código Penal, mas endossa a «paternidade biológica» para Rui Pereira (hoje em «O Diabo»).
Aqui o Pilobolus intuiu desde a 1ª hora que ali havia mão deste deputado açoriano. Esse acrescento espúrio não tem consequências efectivas, todavia a intenção do ignaro acrescentador era que tivesse. E é aqui que mora a gravidade do assunto. Infelizmente a complexidade da matéria impede que tamanha mafiosice seja entendível pelo comum dos cidadãos. Mas confiemos que há mais marés que marinheiros.

28 outubro, 2007

Referendo ao Tratado de Lisboa



Em contra-ciclo, numa altura em que o «pensamento único» vem martelando nas consciências a desnecessidade de legitimação democrática do Tratado Reformador da Europa, o deputado Mota Amaral vem mostrar que a política também pode ser uma coisa séria e avança com uma proposta de referendo do Tratado de Lisboa, no mesmo dia, em todos os 27 Estados da União Europeia.
O problema é delicado porque tem associados riscos muito sérios (basta relembrar o que se passou com a «Constituição Europeia»). Mas a democracia não pode ser uma coisa boa apenas quando convém. E os políticos não podem continuar eternamente a construir a Europa nas costas dos povos, porque o fosso que se vai cavando terá um preço a prazo. É certo que para quem tenha visão curta ou a quem a vaidade tolha a razão isso não é muito relevante. Mas não se deve reduzir uma ideia generosa e um seguro de paz e de progresso da Europa ao prestígio pessoal deste ou daquele político ou mesmo deste ou daquele país. A legitimação deste Tratado, através de uma consulta directa aos cidadãos, recoloca a democracia no centro da construção europeia. E isso só pode ser um bem.
A ideia do deputado açoriano tem, pois, pernas para andar. Esperemos para ver se consegue mobilizar a opinião pública europeia, já que dos cozinhadores do tratado só há que esperar a tentativa da sua neutralização.

23 outubro, 2007

A esquerda europeia e Freud

A esquerda polida e civilizada da Europa, com o seu eduquês, o seu politicamente correcto e a sua abrangência, é a primeira a querer dar cabo do valor da civilização ocidental.
Os descobrimentos? A avidez dos reis contra os povos pobres e pacíficos de África.
A Igreja? Uma super-estrutura responsável por todos os males e por todos os crimes.
A 2.ª GG? Um morticínio levado a cabo por europeus e americanos.
Daqui a partir para a afirmação da superioridade intelectual e cultural (só esta é que conta) das outras civilizações é um passo.
Mas o que se passa é que o nosso património comum é, todo ele, de contar, ou seja, temos sempre de incluir o passivo tal como o activo. A esquerda pedante não quer assumir esse passivo e daí que esteja sempre a trazê-lo à colação como se fosse uma coisa que não é também seu pecúlio, que não é também da sua responsabilidade.
Enfim, concluo que a esquerda europeia não sublimou o seu complexo de Édipo: está sempre a matar o pai!

22 outubro, 2007

O senhor professor



Boaventura Sousa Santos e o «seu» Centro de Estudos Sociais lá deitaram a mão, sem concurso (para quê?), a mais uma benesse do Estado. Pois é. Alcandorado desde há mais de vinte anos em oráculo da justiça pelo «bloco central de interesses», BSS vai desta feita «monitorar» a aplicação prática das recentes alterações aos códigos penal e de processo penal. A seu tempo lá botará sentença, pejada da habitual torrente de disparates, mas com uma carimbadela final onde se chancela: «cientificamente provado». Concomitantemente lá seguirá a facturazita para o Ministério da Justiça. E assim o contribuinte assegurará a manutenção deste Alto Centro de Investigação coimbrão, tão necessário à «reforma da justiça»! Amen.

15 outubro, 2007

Contra ataque 1

Andando este blogue mais morto que vivo (os escribas trabalham...), tinha pensado em escrever qualquer coisita, decisão facilitada pela circunstância de esse sinistro personagem que dá pelo nome de Catalina Pestana se ter posto mesmo a jeito, intrépida, com um súbito e significativo agravamento dos dislates que continuadamente gera. Porém, acontecimentos de última hora, ocorridos no fim-de-semana, reforçando-me embora o propósito de escrever umas linhas, desviaram-me do alvo. Há coisas de longe mais importantes do que a Catalina Pestana e a fauna subaquática (qualquer dos seus espécimes) é uma delas. First things first e, vai daí, lanço agora a primeira resposta ao ataque do Tortor, notando que não foi preciso recorrer ao arquivo fotográfico.

Dia 14 de Outubro de 2007; algures defronte da povoação de Água d'Alto, a cerca de 300 m da costa; 12.00 h; já com algumas garoupas (Serranaus atricauda) e lírios (Seriola dumeriili) no activo, este vosso Kzar voga em mar chão, arma em estado de prontidão e olhar pregado na profundeza, a cerca de 15 m; o dia é de rara visibilidade, distinguem-se as pedrinhas todas do fundo e eis que lá bem em baixo um bicho de porte avantajado se faz notar com movimento coleante e súbito; uma precipitada inspiração, um mergulho vertical e o olhar fixo no alvo; a meio caminho está identificada cabalmente a presa, a qual, já inquieta, começa a contornar uma rocha de dimensão apreciável; calmo, o caçador muda de direcção, abordando o mesmo penedo pelo lado oposto; chegado ao fundo pára, aponta para o nada seguinte à rocha e aguarda; obra de alguns segundos e o belo exemplar de Bodianus scrofa (viola ou peixe-cão, para os amigos) acima representado mostra-se, rutilante, em reverberações de verde, amarelo e vermelho (fora de água só esta última cor se revela); tendo considerado este vosso Kzar, com olho vivo, o animalejo ainda esboçou a fuga, mas o arpão foi mais rápido a trespassá-lo pelas guelras - precisão absoluta que os escassos dois ou três metros impunham; uma nuvem de sangue na água, dois ou três puxões fortes mas breves e o bicho já estava a vir para cima, de arrasto; na caixa do barco ainda espadanou dez minutitos e a seguir finou-se. Cerca de 4,5 a 5 quilos de peixe num só bicho (os outros não têm história que se conte, mas por junto a manhã de faina rendeu cerca de doze quilos de pescado), o qual agora que reparo nisso até é parecido com a Catalina Pestana e tem a vantagem de não falar - Deus escreve direito por linhas tortas.

27 setembro, 2007

A dignididade

Ainda sendo adepto indefectível do grandioso FC Porto, houve ontem um acontecimento que considero ultrapassar largamente a relevância da eliminação daquele aos pés do modesto Fátima. O Sr. Santana Lopes, pessoa por quem não nutro particular estima política, deu à Pátria um exemplo claro de como deve reagir uma pessoa de bem e séria quando confrontada com a estupidez militante dos média, dos fazedores de opinião e tutti quanti. Muito elegante mas firmemente mandou-os à merda, substância à qual a presença dos seres em causa inflige alguma degradação qualitativa mas que ainda assim julgo adequada a recebê-los.
O país continua afanosa e quotidianamente a cavar abismos insondáveis de cretinice em que se afunde e uma das razões porque já não há profundímetro que meça tais buracos é a de a larguíssima maioria das vozes com amplificador mediático se sujeitarem ao domínio dos critérios de idiotia que vão preponderando - sendo de resto as usuais autoras dos ditos critérios. Mais até do que assinalar a grande maioria, há muito que estava convencido de que a pelintrice intelectual era a marca de água da totalidade desses vociferantes. Agradeço ao Sr. Santana Lopes ter-me provado que não são todos da mesma massa.
Não posso, além disso, deixar de tecer mais umas considerações. O Sr. Santana Lopes não afecta pose de pessoa sisuda que não dá troco à bola. Pelo contrário, já andou longamente nisso dos futebóis, sendo presidente do Sporting e até comentador televisivo das ocorrências do relvado. Nunca precisou de afectar superioridade em relação a essas coisas para vincar seriedade. Outros há que, de contínuo, com ponderação ou não, cacarejam histericamente contra a bola e, muito em especial e aí com razão inteira, denunciam, incomodados, as aberturas de telejornais com os jogadores e os treinadores e os pénaltis durante meias horas e mais. Porém, na hora da verdade, saloios, pelam-se por continuar a vender os seus fétidos peixes opinativos nas mesmíssimas pantalhas da estupidez. Aprendam com o exemplo, se forem capazes, e logo verão como se obtêm num ápice resultados muito maiores do que chilreando do modo costumeiro.
Quanto ao Sr. Santana Lopes, de novo e enfim, cometeu um acto de higiene que pela minha parte, sem grande esperança, gostaria que fosse seminal. Subiu na minha consideração de um modo que não consigo descrever - ao pé dele, a militância verbal anti-bola do Sr. Pacheco Pereira, só para exemplificar com a mais conspícua, revela em toda a clareza não passar de mera snobeira inconsequente.

23 setembro, 2007

"Férias de humanidade"




Baixa da Lobeira, Ilha do Arcanjo.10:00 h., mais coisa menos coisa. Arma em madeira de fabrico artesanal. Seis inspirações e expirações, 3 delas abdominais. Água turva e o fundo a uma distância de 17 a 20 metros. Mergulho e, sensivelmente a 12 metros, deparo-me com a alimária das fotografias, um concentrado de filetes, lombos e de dentes afiados como lâminas. Ou, se quiserem, uma anchova (ou potomatus saltatrix para os mais miudinhos ou ainda bluefish para a Fernanda Câncio) – um extraordinário predador que nas terras continentais tem o robalo como homólogo. Talvez por isso, ignorou-me na sua altivez. Fez mal. Uma breve perseguição submarina e em cerca de 1:25 min. tudo estava acabado. Aguarda agora lugar de vedeta em eventual confraternização gastronómica com o Kzar (este, como se sabe, até agora armado em “macho dominante” em matéria de questões piscícolas) e outros compinchas.

16 setembro, 2007

A via da suavidade




Enquanto o Sr. Scolari se exercita na nobre arte do pugilato com tiques de pancrácio, gerando uma autêntica crise de identidade e orgulho nacional, eis que a nossa a Telma Monteiro, muito menos mediática, acaba de conquistar uma medalha de prata no Mundial de Judo a decorrer no Rio de Janeiro. O melhor resultado de sempre do Judo lusitano. Para os que não sabem, ou para os futeboldependentes, o que é o mesmo, o Judo é o desporto de combate mais praticado no mundo e o mais competitivo de todos. Penitenciando-me de não saber postar videos do Youtube, remeto para estes dois que dão bem a noção da espectacularidade da modalidade.

14 setembro, 2007

Professor James Piscatori

O Professor James Piscatori, da Universidade de Oxford.

Esta " lecture" sobre o "Islão e a Democracia" é uma reflexão pertinente e perspicaz sobre um dos mais importantes temas de pesquisa da actualidade.


13 setembro, 2007

O diário de Kate


Parece que o diário de Kate McCann foi apreendido pela Polícia Judiciária. Dos “donos da liberdade” indígenas, nem um pio. A imprensa, por seu turno, aborda a questão com uma desconcertante naturalidade, como se a invasão da esfera íntima fosse uma inevitabilidade da investigação criminal. Não se coíbe, até, de se erigir em sórdida porta-voz de alguns dos pormenores ali descritos.
Por definição, um diário é um repositório de reflexões íntimas, de encontros e confrontos de cada um consigo mesmo, (como alguém já disse) "um confessionário sem confessor". É por isso que reputo extravagante, a mais de repugnante, a dita apreensão que, como se não fosse suficiente, ocorreu há já um mês e só agora foi presente ao juiz, numa altura em que, alegadamente, “ já não será de grande utilidade para a investigação”. Ou, por outras palavras, a PJ terá ocultado à autoridade judicial a apreensão do diário em causa, usou a informação que dele extraiu e, quando ele deixou de ser necessário, … apresentou-o ao juiz de instrução criminal, assim tratado como uma espécie de receptador de material probatório. Resumindo e concluindo, cheira-me que este caso vai acabar numa vergonhosa bronca mediático-judiciária.

Um exemplo de Escolari...

Declaro antes de mais nutrir pelo Sr. Scolari, em infausta hora contratado para seleccionador principal de futebol pela Federação Portuguesa desse jogo, uma profunda e invencível aversão. Digo-o, logo à partida, para deixar de sobreaviso o eventual leitor e em jeito de "declaração de interesses" como a que é imposta aos senhores políticos (pela maior parte dela incumpridores).

O dito senhor, chegado a Portugal, esta terra onde no imaginário brasileiro somos todos irremediável e militantemente burros, nos chamamos Joaquim ou Manuel, exploramos mercearia e temos esposa ataviada de preto carregado e com buço espesso, ponderou a necessidade de fazer-se aclamado, querido das massas endemoninhadas da bola. Dado o clima constante de "portofobia" e a avassaladora maioria de adeptos do SLB ou do SCP, empedernidamente hostil ao Sr. Pinto da Costa, a quem imputa todos os males, reais e supostos, do girabola luso, nada mais fácil do que juntar-se a essa massa.

Se bem o terá pensado, melhor o fez: num ápice, o Sr. estava pegado com o dito Pinto da Costa e exprimia a maior repugnância pelo FCP. Também por isso o detesto, não fugindo à minha condição de indefectível adepto do melhor clube do mundo, coisa que declaro movido do mesmo espírito de clareza acima referido, e o certo é que durante muito tempo sempre que ensaiei uma crítica ao seleccionador, os companheiros da ocasional tertúlia recebiam-na com condescendência e até desprezo, sorridentes e à laia de quem diz "olha este, lixado por não convocarem o Baía". Em suma, criou-se uma quase unanimidade segundo a qual agora é que isto estava bem e até havia um tipo teso que enfrentava o Pinto da Costa.

E agora, ó pessoal?!? Já nem falo do que era há muito óbvio: o Baía era muito melhor do que o Ricardo, incomparavelmente melhor, nem sequer eram da mesma categoria; o Scolari faz e sempre fez escolhas que são baseadas em puras preferências pessoais e subjectivas, ao invés de minimamente estribadas no mérito e capacidades relativas dos jogadores; pensa que autonomia técnica é não ter de dar satisfações a ninguém e poder ainda responder de modo mal educado a tudo e a todos; a célebre inflexibilidade dele não é mais do que teimosia reles; é tacticamente um tosco, conservador e tímido; conseguiu enfim a proeza de a troco de muitos milhares por mês ter perdido ocasião soberana para ganhar com a selecção o campeonato da Europa de 2004 e, analizado o actual percurso nesta fase de apuramento para o de 2008, o resultado é paupérrimo, estamos à rasca, apesar da sorte, e nos últimos três jogos três empates... Um imenso lote de bons jogadores foi disfarçando o problema (como já lhe acontecera no Brasil), mas muitos bons jogadores não são uma equipa, e agora já não há como esconder.

Podia continuar com larga cópia de palermices que só não viu e vê quem quer estar de olhos fechados, a começar pelo lastimável jogo de ontem, contra a Sérvia, em Alvalade, relativamente ao qual bem pode o ser em causa queixar-se de que o golo dos outros foi irregular - pois foi, era fora de jogo do avançado que o marcou, mas a questão não é essa. O ponto é que já há muito toda a gente via que tarde ou cedo íamos apanhá-lo, que a equipa estava numa desorganização de pasmar e que quando contra-atacava o treinador estava na linha a gritar ao Simão e tutti quanti que tivessem calma. Mas já chega, e não sou especialmente versado nas coisas da bola para continuar por aqui - não sou doutor da bola.

Chato, mesmo chato, o que aqui enfim importa é constatar que o que eu pensava dele fica agora provado além de toda a dúvida. É caso para soltar um sonoro "eu bem dizia"... O Sr. Scolari é psicologicamente instável, violento, propenso à negação mentirosa das evidências e toma-nos a todos por parvos. Quanto aos lastimáveis resultados, ousou dizer que não foi ele quem perdeu, que nem sequer joga e outras pérolas; quanto ao comportamento bizarro que no fim do jogo assumiu, começou por dizer que não bateu no jogador adversário, depois disse que só lhe bateu um bocadinho e para defender o Quaresma! Como se não tivessemos todos visto, e como se depois de desferir um soco na cara do tal jogador fosse relevante que lhe acertasse em cheio ou de raspão.
O homem é de topete, mas aguardo para ver se o Sr. que preside à Federação é feito com melhor massa. É que para já a única pessoa que ouvi a pôr as coisas como devem sê-lo foi o treinador adversário: Não são aceitáveis tal mau perder e tal atitude num treinador campeão do mundo, de quem se espera exemplo, e não há no desporto lugar para comportamentos assim nem para as pessoas que os tomam. Voltando ao tal presidente: há tempos afastou da selecção por dois anos um fedelho de uma equipa de sub-18 que tirou o cartão da mão do árbitro que lho exibira; fez muito bem; veremos o que faz agora ao seleccionador boxeur que soqueia um jogador da equipe adversária, ao vivo e em directo, e depois mente sobre isso na televisão, com acentuação da habitual pose pesporrente. Demiti-lo-á? Nááá... em Portugal já se perdeu essa vergonha.
Entretanto, uma coisa é garantida: os nossos jogadores já têm a internacional fama, e não raro o proveito, de serem arruaceiros, batoteiros e lesados fingidos, e agora por cima de episódios como o da meia final do Euro 2000, com grande sururu, empurrões ao árbitor e três jogadores suspensos longos meses, a mais do João Pinto a dar um soco na pança do árbitro em pleno jogo do Mundial de 2006, e além do tal puto que arrancou o cartão da mão do árbitro, pode a comunicação social desse mundo exibir as imagens do seleccionador de Portugal ao soco na tromba dos jogadores adversários e talvez comentar que depois disso o homem não foi despedido; que isto com os portugueses é mesmo assim. Vou mas é ver râguebi, que isso sim parece-me um jogo de gente séria.

12 setembro, 2007

O Tutor

Nos últimos dias, a propósito de um artigo de opinião do Sr. José Pacheco Pereira (JPP), infligido no jornal "Público", estalou mais uma daquelas polémicas que de contínuo sobressaltam a "blogoesfera" nacional (ver aqui, aqui e aqui). Resumindo, JPP refere-se a determinada obra cujo tema será o potencial da net para, conferindo capacidade de divulgar opinião a qualquer um, minar progressivamente a cultura ocidental, mediante submersão daquilo que tem valor sob avalanches imparáveis de disparates amadores, arrotadas pela ignorância presumida dos "internautas" comuns.

Às muitas críticas de vários tons que lhe foram dirigidas, JPP replicou, em nota à "postagem" do dito artigo no "Abrupto", que a generalidade (ou totalidade) dos críticos teriam comentado o citado livro sem sequer o lerem, e achariam isso normal, o que para ele é sinal patognomónico do acerto das suas próprias teses.

Será talvez desnecessário juntar a voz ao coro e lançar daqui mais catilinárias, até porque os temores milenaristas que subitamente tomaram JPP extinguem-se habitualmente por si mesmos e tanto mais depressa quanto menos se lhes ligar. A notoriedade do escriba, todavia, move-me a ajudar à festa.

JPP, por razões plrúrimas que seguramente incluem os seus muitos méritos intelectuais mas porventura também outras menos honrosas (recordo, com pouca exactidão, um dito de Miguel Torga, segundo o qual a pequenez da Pátria constrange tal emaranhado de laços que não há vontade de porteiro ou de ministro que se não vença...), é desde há anos personagem com lugar cativo nos púlpitos convencionais onde se produz a opinião lusitana. Tem megafone que adquiriu por usucapião e neste Portugal de opinantes encartados, de especialistas em generalidades e sabedores profundos de quase nada, foi mesmo dos mais lestos a alastrar as suas palpitantes opiniões ao espaço menos convencional da "blogoesfera", abrindo estabelecimento que subsiste ainda.

Constatado isto, dir-se-ia, com espírito cordato, que o mundo é de todos, que se só alguns atinam com os caminhos da publicação em jornais e revistas de larga tiragem ou mesmo na "tele-tele", já a net é acessível a qualquer, que ainda bem e cada qual por si e Deus por todos. JPP não considera assim, todavia. Para ele, o acesso massificado a tal meio de comunicação, permitindo a qualquer idiota que, pasme-se, «sem edição» (!), escreva o que lhe aprouver e alcance maior ou menor público, é receita que leva a nada menos do que a perigo de morte para a cultura ocidental...

JPP procura disfarçar o mais rísivel da sua argumentação sob uma camada de referências críticas a malfeitorias várias que a net e o contexto da sua utilização propiciam e até os mais néscios reconhecem; mas nem por nisso ter razão o argumento central fica menos tolo, e nem efectivamente escondida a parvoíce.

Penso conseguir convocar à imaginação quantos disparates semelhantes terão sido proferidos, com maior circunstância, mais à la longue e radical convencionalidade de meios (que eram outros os tempos) a propósito dessa maléfica invenção que foi a imprensa, com a qual a cultura ocidental foi posta de pernas para o ar. "Então agora qualquer leigo desqualificado publica livros, já não somos só nós nos mosteiros!? E nem são feitos em pergaminho! O que vai ser da ponderada reflexão que tem dado tão brilhantes resultados? E não há Sr. Abade que com paternal benevolência e maior sabedoria escrutine o que vai levar-se às mentes das pessoas? Não será a fé confundida? O mundo deve estar para acabar" - angustiadas reflexões que, com outras similares, terão ao tempo assaltado os antepassados intelectuais de JPP, tudo a respeito da invenção do Sr. Guttenberg.

Claro, JPP, ponderado e até magnânimo, lá concede que da net também venham porventura coisas boas e que o senhor que escreveu o tal livro é um tanto desbocado, inaugurante talvez de um filão editorial com contornos que no plano económico venham a ser paralelos aos do "Código Davinci". É o que se chama dar uma no cravo e outra na ferradura, mas em todo o caso com mais vigor nesta última, ou por outras palavras ver se a malta engole o disparate enquanto olha para as roupagens de juízo e sensatez em que vem embrulhado.

Mas não pega. Felizmente os cavalos não estão para isso e sentem logo o sapato mal calçado. JPP presume, e é talvez essa a explicação da assunção daquela sua posição, que furiosos a teclar, no lado de lá da net, há apenas hordas infindáveis de piratas, ladrões de direitos de autor, malfeitores sortidos e, de toda a maneira, grosseiros ignorantes empedernidos, cavernícolas com uma caneta na mão, amadores ignorantes e presumidos, determinados ao desmantelamento total da civilização. Está errado, o que lhe seria fácil perceber. Há de tudo, como na botica, e os que interessam detectam de imediato o significado último das suas (dele) angústias.

Como escreve um dos primeiros zurzidores, réptil alado, flamejante e sempre atento, obstinado escrutinador de ortodoxias desconchavadas, JPP revela nunca ter afinal abandonado totalmente o ambiente intelectual em que se criou, que lhe moldou o ser nas primícias da juventude, e ter ainda porção considerável do espírito na República Popular da China. Na verdade, até já louva uma alegada legislação italiana que, sem prévia e cabal identificação do usuário (como agora se diz), impedirá o acesso à net em cibercafés...
Talvez queira também instituir a necessidade de alvará, de uma espécie de carta de condução da net, a ser concedida mediante apresentação de atestado de robustez física e saúde psíquica impecáveis, seguida de frequência de escola especializada e subsequente exame, tudo sem prejuízo da dispensa de tais formalidades no caso dos profissionais em trinchar ideias. No fundo, lá bem no fundo, mas muito à vista, JPP nutre um desvelado carinho pelo seu papel de tutor da opinião, e teme pelo futuro da espécie se ele e os demais tutores deixarem de ter mão nisto. Onde irão as coisas parar se agora qualquer um escreve e pode ter algum público? Então esta gente opina e estrebucha no ciberespaço sem querer saber de nós, polícias de trânsito da cultura, sem nos ligar pevide?

É pena. Pensava que JPP, com quem tantas vezes concordo, estava em geral no campo de cá. Mas não, isto do liberalismo é coisa que só medra em terreno fértil. Lá dizia o Orador, «ou é do sal que não salga, ou é da terra que se não deixa salgar...», no caso parecendo-me bem que àquela terra nada a salgará - uma vez comuna, no fundo sempre comuna; bem pode afectar que a preocupação lhe é ditada por justa oposição aos deletérios "libertarismos", taxando como tal o que são para outros as mais fecundas liberdades, mas fica claro que estas é que lhe doem.

Tanto que perde o tino de vez e lança mão do tal argumento bacoco, segundo o qual os sicofantas da ignorância, criticando o livro sem sequer o lerem, lhe dão razão inteira! Ora, eu não li o livrito, mas JPP, tutelar, diz que sim, que leu, e fez o favor de nos resumir a todos a sua ideia central, que de resto largamente acompanha. Pois bem, uso o que resta da credibilidade que lhe atribuo ainda e com ela admito que o resumo é fiel; segue daí declarar que não gosto da ideia, posto que em boa verdade correctamente transmitida, nem da do JPP, que se lhe pegou; e é esta que critico; o maço de folhas, se com ele topar em alguma curva da vida, já o não vou ler, que não há tempo para tudo; mais lógica não me parece poder ser a coisa; e escrevo tudo isto, felizmente sem ter de solicitar, ao JPP ou a outrem, nihil obstat ou imprimatur, a mais disto tudo lembrando ainda que mal à cultura vem sim, e muito, do facto de pessoas letradas e aparentemente até sábias escreverem coisas como «(...) nem por isso, nada nos garante que (...)». Não se maltrata assim a língua de Camões, que nenhuma culpa tem nesta polémica.

11 setembro, 2007

Emmanuel Sivan


" Radical Islam has made tremendous inroads into the hearts and minds of Arabic-speaking Muslims. In the socio-cultural realm, militant Islamic discourse maintains a hegemony in the public debate among Arabs, replacing Pan-Arabism and Marxism. Islamism has a profound impact on gender roles, fertility, consumption habits, as well as on the marginalization of local Christians and the censorship of movies, plays and books. Hyper-rigorous religious practice has spread, leading to a growing social pressure towards conformity, the best example of which is the donning of the veil by women. Voluntary Islamic organizations proliferate; the popularity of Islamist media (notably audio- and videotapes) grows; and religious activism resurges as the major avenue for venting both protest and the craving for change. The cultural success of radical Islam resides, above all, in the strength of voluntary Islamic associations."

Emmanuel Sivan, Maio 1998



Vale a pena dar uma vista de olhos neste artigo profético.



http://www.biu.ac.il/SOC/besa/meria/journal/1998/issue2/jv2n2a2.html

(PS: A pintura é de J. Pollock)

O dia da Infâmia


04 setembro, 2007

A SATA, a ANA, o governo e a pata que os pôs...

Dia 4 de Agosto do ano da graça de 2007. Começo das almejadas férias. Com o bilhetinho na mão, aqui o artista zarpou para o aeroporto de Ponta Delgada, a fim de apanhar o aviãozito para as Flores (directo) e juntar-se à famelga e amigos, que já lá estavam. A partida estava aprazada para as 16.00 h (acho eu) e a duração prevista do vôo era de uma hora e vinte. Cheguei com cinquenta minutos de antecedência, fiz o check-in e 'bora lá para a sala de embarque. Passam as 16.00, as 16.30, as 17.00, as 17.20 e nada. Não há chamada e muito menos há qualquer explicação ao rebanho de autóctones e turistas a quem a SATA faz o favor de deixar pagar-lhe. Toda a gente percebe que há outros vôos atrasados, mas o inacreditável é que sempre sem explicação alguma a certa altura lá começam a deixar passar pessoas no portão de embarque destinado aos passageiros para as Flores e, quando este burro pagante, depois de alguns minutos mais de paciência na fila, mostra o cartão de embarque e o BI, a menina diz que estavam a embarcar era passageiros para um sítio não sei onde e que não era a ilha das Flores. Afastada a hipótese de lhe mandar um murro nas fauces, lá argumentei que nos monitores e no cartão de embarque dizia que para as Flores era ali - porta 6... Não serviu de nada. Eu e os demais tivemos de esperar que embarcasse o pessoal dos outros vôos, por acaso com marcação de partida posterior à nossa, tudo em ambiente de inenarrável confusão. Os turistas, esses, lá iam fazendo cara de quem não se deixa apanhar noutra; felicidade deles, que podem. Contas feitas, o avião lá arrancou, comigo a bordo, por sorte, tudo com mais de hora e meia de atraso.

Depois de uns dias nas Flores, regresso a Ponta delgada, com a famelga e amigos. Viagem no dia 11 de Agosto, partida marcada para as 14.00 ou assim. Mais meia hora de atraso, de novo a total ausência de qualquer explicação. Entretanto, o embarque fizera-se a conta gontas, com toda a gente a passar pela maquineta dos raios X (ou lá o que é) e além disso a abrir os sacos para mostrar às meninas - para não falar de serem revistadas uma em cada três pessoas. Talvez a Al-Qaeda esteja a preparar ataques em Ponta Delgada, pensei eu a tentar justificar aquele fervor securitarista. Já agora: o calor/humidade eram de rachar, mas ar condicionado na aerogare népias, e depois de o pessoal passar para a sala de embarque, não há onde adquirir bebidas; quem quiser que vá aos lavabos (porquitos) e beba água da torneira; foi assim que se passou um largo e normal bocado e mais a meia hora de atraso, com os miúdos a protestar que tinham calor e sede.

Dois dias depois, nova partida com a famelga, desta feita para Lisboa. A novidade foi não haver novidade especial, fora o normal atraso (vinte minutos), de novo sem explicação alguma. À chegada a Lisboa, no tal aeroporto que segundo dizem já não chega para as necessidades, cinco dos oito tapetes de recolha de bagagem estão paradérrimos - não fazem falta. Dos três que funcionam, um é destinado à bagagem do nosso e de mais três vôos. Confusão inacreditável e uma hora de espera pelas malas. Viajei em executiva e a bagagem é nesse caso suposto ser prioritária. Como sempre, está bem longe de ser a primeira a sair... Bom, pensei eu, agora que passou este calvário, deixa lá ir levantar o carro de aluguer. Fui quase tomado de uma apoplexia ao chegar ao balcão da National. A fila era quilométrica e levantar o carrito custou mais duas horas.

Regresso a Ponta Delgada, em 20 de Agosto, partida agendada para as 19.00 h, ou assim. Entrega do carro na recolha dos automóveis de aluguer e deslocação da famelga toda e mais abundante bagagem para o check-in. Como já sabia que agora há terminal especial para as gentes das colónias, lá procurei a maneira de dar com o sítio. Sinais havia. Foi esperar por uma camioneta, meter para lá as malas todas, esperar um bocadão com o motor daquilo a trabalhar e um calor do corisco e pronto; chegada ao famoso terminal II. Um barracão, sem lugares para estacionamento cá fora. Lá dentro, um espaço aberto, com os balcões de check-in em fila e cadeiras manifestamente insuficientes para os viajantes (quartos de banho só na área de embarque!). Foi preciso esperar um bom pedaço que um funcionário se dignasse abrir o balcão destinado aos passageiros em executiva e que já devia estar aberto há um grande bocado. Cumprida a formalidade, ala para o lounge da executiva. Fica num primeiro andar manhoso e a tropa subiu toda pelas escadas, com a bagagem de mão, porque o elevador está só para enfeite - não funciona. O terminal é para os vôos "domésticos" mas os jornais disponíveis eram todos estrangeiros (portugueses, só os da bola); e já agora a menina de serviço adverte, simpática, que naquele lounge não fazem chamada! Os Srs. passageiros têm de ir espreitando para os monitores e ver a fila do portão pela janela... No dito terminal para coloniais não há, ao contrário do outro, qualquer espaço para fumadores. Quem tem o triste vício, saia do terminal, até à rua, e mate-o aí. Acontece em muito lado, está certo, mas no outro terminal há espaços para fumadores, e a diferença irrita-me fortemente. E mais me irrita que naquele pardieiro não haja uma loja decente, enquanto a malta das "low costs" e toda a restante seita, gente que paga tarifas em geral substancialmente mais baratas do que as satisfeitas pelos açorianos à SATA, tem acesso à "H. Stern", ao "Harrod's", à "Casa do Vinho do Porto" e a tudo o mais.

Voltando ao calvário, de novo passam as 19.00, as 19.30. as 20.00, e explicações, que é bom, nada; viste-las. Pelas 20.30, isto é, com hora e meia de atraso em relação à previsão de partida, lá começam a fazer o embarque e vão os passageiros da executiva, malas pela mão e sem elevador, escadas abaixo, até ao portão de embarque, onde se metem numa fila e entram depois num autocarro (já só com lugares em pé, cheio como lata de sardinhas) que os transporta até ao avião. Avião da SATA? Náaa. O avião era de uma companhia chamada "White", ou assim, à qual não adquiri bilhete nenhum. Afinal sempre vôo numa "low cost" e explicações nada. Durante a viagem, o bilhete em executiva deu-me acesso à mais repugnante refeição que já me foi servida a bordo de um avião (não consigo imaginar que peixe era - o aeromoço garantiu que era peixe - ou em que consistia a papa repelente que o acompanhava), sem possibilidade de escolha de bebida. O miúdo, cansado, queria deitar-se. Quando se pediu uma almofada ao aeromoço, este disse que não havia e meia hora depois lá veio trazer um cobertor dobrado. O avião não tinha sido limpo (aparentemente não o era há muito), nas costas do assento à minha frente havia pingos de vómito secos e o estofo era sebento, não havendo sequer uma protecção para o encosto de cabeça. Isso mesmo, viagem toda com os cabelos da nuca assentes no sebo que a poltrona trazia.

Pelo menos à chegada a Ponta Delgada as bagagens foram das primeiras a sair. No mais, é assim que a SATA, a ANA e o Governo tratam os indígenas das colónias, essa malta badalhoca que é preciso afastar dos turistas e das pessoas importantes do continente. Não se pode acabar com a SATA, ou pelo menos liberalizar de vez as ligações? E o que fazem os políticos regionais face ao modo grotesco e insultuoso como os açorianos e quem os visite foram atirados para as traseiras do aeroporto de Lisboa, para um galinheiro ranhoso? Nada. Nada de nada. Os do momento têm o seu pessoal na dita companhia; os outros esperam vez para lá porem o próprio. Os açorianos vão pagando, calados, e ainda lhes é dito (com dinheiros de empresas públicas) que a SATA é uma empresa regional e motivo de orgulho, e que o "o aeroporto de Lisboa agora é mais aeroporto - há um terminal novo para os vôos domésticos" - só pode ser bom...