Há lá coisas que não se percebem e uma delas é a obsessão apaixonada deste desgoverno por certas classes e a sua aversão a outras. Nestas pontificam os notários. Aliciados pelo Estado para a privatização, fizeram-no de modo singularmente bem sucedido, seja absorvendo sem sobressaltos cerca de 450 funcionários que transitaram do serviço público (cerca de 30% dos cerca de 1500 funcionários que se ocupam nos cartórios de 349 notários privados), seja tornando os serviços efectivamente muito mais eficazes, como é por todos reconhecido. Estranhamente, o mesmo Estado que incentivou a privatização não se coíbe, traiçoeiramente e desde há algum tempo a esta parte, de progressivamente esvaziar de conteúdo as funções próprias daqueles profissionais, antevendo-se já dramas os mais sortidos para os elementos da classe. O culpado, já se sabe, é o
Simplex, esse irritante (a mais de
inconstitucional de acordo com o constitucionalista Gomes Canotilho) programa de simplorização de que este desgoverno tanto se ufana.
Não menos curiosa é a fixação amorosa do mesmo desgoverno por outra classe, que nasceu de um programa sem nome, mas que se poderia, com propriedade, chamar
Complex: o regime da acção executiva, que se bem não seja da autoria da agremiação do Sr. Pinto de Sousa, é por ela mantido ciosamente em estado de perfeita imutabilidade. O resultado, todos o conhecem, ao menos aqueles que têm uma empresa com dinheiros por fora ou os que por razões profissionais diariamente se vêm na triste contingência de ter que lidar com um articulado legal que é uma espécie de puzzle com 10000 peças: descalabro em matéria de cobrança de dívidas, com prejuízos incalculáveis para a economia do país; emergência de fenómenos perniciosos como o das “cobranças difíceis”; descredibilização sem paralelo do poder judicial; aparecimento de uma nova classe forense – os solicitadores de execução – cuja ineficiência só tem paralelo na voracidade pelo conteúdo da algibeira do utente do sistema, etc.
Por isso, se o Sr. Pinto de Sousa pretende acabar com o notariado privado e se pretende que o poder do Estado em fazer cumprir uma decisão judicial ou outro título não seja uma mera proclamação de princípio, tem um caminho fácil: troque os notários privados pelos solicitadores de execução. Aqueles são eficientes e a troca obstaria à sua falência; os últimos são ineficientes, mas já estão ricos.
(*) foto tirada do tugir.blogspot